"DESCE DAÍ, PELO AMOR DE DEUS!"

Um chato! Daqueles de marca maior. Nariz empinado, olhar de desdém. Ele lá em cima, o resto do mundo embaixo. Ah, odeia a cidade pequena, provinciana. Ô povinho desvalido de sabedoria! Tudo tão distante dele, dono das letras e da sapiência. Gosta da mesa do bar da praça. Ali, senta-se feito um rei, à espera que os súditos venham admirar-lhe as palavras de dicionário. Gaba-se do próprio vocabulário. Tão inútil, aliás, posto que ninguém entende o que fala.

Reunião da Câmara de Vereadores. Chega, como sempre, com sua pontualidade britânica. Não perde uma. Afinal o que teria para comentar não fosse esse minguado encontro semanal dos “Edis” eleitos pelo “sufrágio” da gentinha do lugar? “A palavra está livre”. Ele praticamente a abocanha. Quer que votem um projeto para a construção de uma grande casa de cultura no povoadinho. No seu conceituado entendimento é o que falta pro lugarejo evoluir. Sobe na tribuna, faz uma defesa apaixonada. Entusiasma-se com a própria intelectualidade. Mas o ambiente não parece animar-se. O acalorado discurso é recebido com indisfarçados bocejos pelos presentes. Eles só querem que termine logo pra irem ver a novela. Se pudessem gritariam “Desce daí, pelo amor de Deus!”

Desalento total! Ele vê a indiferença da alienada população de seu torrão natal e depõe o microfone. Inútil sua luta solitária pelo bem comum da coletividade! Lamenta mentalmente tanta ignorância. Desiste! Um idealista, por mais ideais que tenha, um dia também se cansa. Abandona o posto de defensor dos “munícipes”. Mas, não sem antes deixar bem claro “Então, ninguém se interessa, não é? Por isso que essa cidade não vai pra frente. Ninguém valoriza a arte e a cultura. É uma terra de “incautos”, isso aqui!”.

Nisso a plateia concorda: a cidade tem mesmo muito o que ir pra frente. A começar pelo ardente combatente da “incultura” local...