Ossos do ofício
Ossos do ofício
Durante algum tempo me senti o rei da cocada preta; cheguei a pensar que só a mim os alunos recebessem tão calorosamente ao chegar à sala de aula. Até que um dia na sala dos professores uma chorosa colega de ofício não suportando mais a angustia começou a falar:
- Adoro o jeito como sou tratada por meus alunos; - confesso que fiquei curioso e enciumado ao mesmo tempo - quando entro na sala, de pronto surge o comitê de recepção com as clássicas perguntas:
- Mais professora você veio hoje?
- Por que você não ficou em casa professora?
- Juro que o mínimo que me dá é uma vontade louca de voltar desesperadamente correndo para casa. Mas, resignada, respiro fundo, ignoro-os, e fico calada, percebo que eles não entendem sequer que eu faço um esforço sobrenatural para não ter que bancar o seu saraiva. Enquanto tento me acalmar, faço a seguinte prece: Pai perdoe-lhes, pois eles não sabem perguntar.
Como de costume, acomodo lentamente meus livros sobre a mesa; que não é exatamente o que se possa chamar de mesa, nem mesmo é a minha mesa, eu adoraria ter uma.
A baderna se instaura, até parece que só estavam esperando por mim. Quase a ponto de explodir, sento e continuo calada, ora cabisbaixa, ora contemplando a face de alguns (bons alunos) que me olham e esperam aflitos que eu tome alguma enérgica atitude. Não o faço; e isso os incomoda.
- Professora! Manda esses meninos calar a boca!
- E aí professora!?
- Também os ignoro. E agora que alguém manifestou sua indignação, torço para que eles percebam o erro que estão cometendo, se aquietem e me deixem trabalhar; não percebem, e muito menos se aquietam. Muito pelo contrário, os ânimos se exaltam, e agora a sala se divide em “bons e maus alunos”.
A discussão está acirrada, ouço os gritos de alguém.
- Seu bando de mal educados! A professora vem pra dá aula e vocês ficam aí fazendo bagunça.
- Ergo a cabeça, e enquanto estou ali, pergunto a mim mesma, meu Deus, onde foi que eu errei?
Após ouvi-la, senti-me aliviado, pude perceber que nós dois partilhávamos a mesma dor. A infelicidade dela, era a minha alegria. Como diz o poeta, “enquanto um chora o outro rir”.
Wilsomar dos Santos