Ressentimentos
Você quer falar alguma coisa?
Não, não tenho nada a dizer.
Porque eu quero explicar a minha condição. Sei que em algumas coisas somos super ligados, mas em outras porém, as diferenças são muito marcantes. E depois, no final do ano vou me mudar e como você vai ficar... Apesar de estar bêbado naquela noite, você não acha que foi a decisão mais racional?
Pausa. Olhar vago olhando para o nada. As pernas encolhidas no sofá.
Racional? Se fosse para ser racional muitas coisas não teriam nem acontecido. O sentimento que tenho por você não existiria faz tempo.
Mas você não concorda que já está caindo na rotina, acho que eu ão dou mais pra isso...
A figura desolada engole as palavras e vagueia em pensamento: sim, a rotina. A rotina dos meus beijos, carinhos, desejos. A rotina do querer-bem, do se importar, do olhar afetuoso, do entrelaçado das pernas, do braço que chama para o aconchego, do cheiro bom da pele, da aventura de se amar dia após dia, cotidianamente, calmamente, ardentemente. Sim a rotina, a rota milagrosa que o amor percorre. Que amor? O meu, solitário e amuado, desperdiçado.
Estou fazendo isso pensando mais em você. Não quero lhe tirar a oportunidade de encontrar alguém, quiçá ter um filho.
A criatura parece ouvir o eco de antigas frases. Sarcasticamente sorri em seu devaneio: que exemplo de altruísmo! Vá a merda, eu não preciso da sua “bondade”, muito menos do seu consolo.
Não queira ser bonzinho, não lhe cabe essa pecha. Diga simplesmente: eu não estou mais a fim. Não quero, não desejo, ponto.
Silêncio.
Tenho que ir. Um trabalho na biblioteca pra hoje.
Sim. Quer levar o livro agora?
Não, nem cabe na mochila.
Qualquer coisa que precisar, você sabe.
“Não há no mundo lei
que possa condenar
alguém que a outro alguém
deixou de amar”.
Vai, com seu desprezo, com seu desamor
vai, não tenha pena de mim,
eu aprendi a me levantar das derrotas do amor
vai, vai ser o super-herói que abandona a
mocinha em prol de algo maior
vai, solenemente vai.
23 de julho de 2010