HÁ VIDA DEBRUÇADA NA JANELA...
Jaciara, moça já de meia idade, desde a primeira infância vive debruçada à janela. Antes achava engraçado ver os homens com camisas de pijama e as mulheres tentando algum olhar com suas anáguas, exibindo o rendado quando passavam pela calçada. Era sempre a primeira visão do dia. Isso fazia Jaciara dar demoradas risadas. O vendeiro de pães com seus balaios e as moscas que o acompanhavam em sua lida, agradavam demasiadamente os olhos atentos de Jaciara. Vez ou outra, via o vendeiro mordiscando alguns pães. Sentia um misto de indignação e vingança, já que os moradores da vila sempre se encomodaram com a presença constante de Jaciara à janela e faziam chacota disso. Ela sentia-se vingada, sabendo que todos comprariam os pães do vendeiro.
Entrava dia saía noite, entrava noite saía dia, lá estava Jaciara debruçada à janela, com o queixo apoiado nas mãos e os cotovelos que mais pareciam uma esponja velha de tão gastos. vez ou outra, sua mãe dizia, com a voz já rouca e grave devido ao tabaco: A vida passa, Jaciara minha filha! A vida passa! Mas a moça não ouvia mais os apelos de sua mãe e se agarrava ao bastidor da janela e os olhos fixados na vida do lado de fora. As vezes, num momento de distração, Jaciara dava voz ao pensamento._ Cá estou eu janela! Cá estou à seu serviço! Calava de súbito o pensamento, pois, nem mesmo ela sabia porque vivia suas manhãs, tardes e noites debruçada à janela. Todos que viam de fora, queriam conhecer a moça da janela. Cidade pequena, gente pacata, deu nisso. Jaciara se transformou no acontecimento. Mas a moça continuou a ouvir a frase de sua mãe: A vida passa Jaciara minha filha! A vida passa! Pois então! A vida passava sim. Passava à sua frente e Jaciara assistia a tudo como num camarote, mas sem se dar conta de que se tornara a personagem principal das histórias que eram encenadas do lado de fora da janela. Era o amor secreto do vendeiro de pães, era o pivô das brigas das mulheres da vila enciumadas de seus homens, era a fotografia e as histórias mirabolantes dos turistas, centenas deles que ali estiveram e levaram Jaciara para outros continentes. Era a crônica bem feita do cronista de profissão, estabelecido na cidade próxima à vila, era a redação dos alunos nas provas de fim de ano e porque não, a minha historinha para o dia de hoje....
A vida passa, Jaciara minha filha! A vida passa!