MIMO AOS TURISTAS

Mais do que admissível é que se ofereça um bom tratamento aos que vêm de longe espairecer, divertir-se e conhecer as nossas paragens aborígines, além de desfrutar dos belos retalhos próprios da natureza. Turistas dos rincões mais afastados do Planeta merecem que se lhes deem boas guaridas e acolhidas. Isto é tão claro como se sabe que dois mais dois são sete.

Eu mesmo me sentia bastante ancho e cativado – se me davam bom tratamento, ou palatável pirão, por aí –, quando ainda podia viajar País afora, em geral por meio de viagens da profissão. Ia para algo dos tipos congresso, conferência, curso ou seminário, aos quais tentava arrancar algum proveito, almejando sair da condição de asno. Fiz alguns desses giros, pelo território nacional, enquanto pude, e andei um bocado. Só andarilho, não turista, muito menos um predador.

Como regra geral, com honrosas exceções, não só em Fortaleza, mas no Nordeste inteiro, tem-se a mania de ofertar mino exagerado a quem se nos apresenta, aqui, como “turista estrangeiro”. O gajo vem de lá, dos quintos das pupunhas, pinta os canecos e ainda tira onda de boa-pinta, fazendo e acontecendo.

Ah, mas nos bancos, então, o cartaz dessa gente é superior ao de um Presidente da República ou ao de um alto empresário nacional. Antes que o grã-fino aplique o golpe do “selar o tejo” – verbete averbado no DICIONÁRIO DE EXPRESSÕES POPULARES DA LÍNGUA PORTUGUESA* – um turista e s t r a n j a tem o aval até do rei das Arábias e pode levar toda a burra da casa de crédito.

Primeiro, e antes de mais nadinha, o cara “casa” com uma perua nativa qualquer. Respalda-se na lei, que é uma camurça, e na moça com a qual se entendeu faz logo um filho. Depois, já montado na lei, quando e se quiser estabelecer-se, no lugarejo, ele vira “empresário”. Aí abre hotel, motel, boate ou bingo. Estes, os preferenciais “meios de vida”.

Outros ramos prediletos dos tipos mais predadores: as barracas de praia, lá sob escaldantes sóis, e também as pousadas, dependuradas nas encostas das serras. Em qualquer desses negócios, quando o coisa-ruim é mesmo das piores encomendas, ele faz a lavagem de dinheiro, sem o mínimo de escrúpulo.

Por favor, não me pintem aí como xenófobo, não. Xenofobia é coisa para cristãos pequenos e mesquinhos. Contudo, muito pé-rachado vem da Europa e dos infernos da pedra para fazer turismo sexual, aqui, bem no vinhedo das barbas da gente. E pior: faz é orgia mesmo, posto que a nossa indigente legislação comporta-se com uma leniência deplorável. Até de fazer doer, no topete de uma estátua de pedra.

Acho que o ir-e-vir interno, coisa à nacional, é da maior importância. As companhias aéreas, todavia, só pregam e facilitam é o contrário. Dizem, à boca rasgada, que é mais em conta você ir a Miami do que ter que pagar uma merreca de viagem da metade de tempo em Gramado, Joinville, Poços de Caldas ou na Foz do Iguaçu. Um absurdo dos absurdos, que os gringos, lá fora, não dão murro em ponta de faca. E sabem “vender” sua propaganda.

Não é por mera despeita, não, que afirmo o que venho falando. De jeito nenhum. Digo o que digo é por constatação dos fatos e só por cubar este tal andar das carruagens. Tenho cá os meus olhômetros. E jamais teria a pretensão de tornar-me um influente dono de bingão, de pousada, motel ou casa noturna. Quem sabe – nem mereço –, mas até poria uma funerária, sem defunto algum como freguês, menos entraria nos modelos de comércio prediletos dos nossos alienígenas forasteiros.

Vocês imaginaram, já, eu chegando à beira da Quinta Avenida, em Nova Iorque, então ao lado da Torre Eiffel, em Paris, a sentenciar a plenos pulmões? “– Oi, meninos, não se vexem, não! Eu vim aqui botar um boteco, onde toda a moçada possa bebericar umas caipirinhas, arrebanhar mulheres bonitas e aspirar pó e tragar o mato!” Pois, no Brasil, é possível que isto se dê na maior boa do mundo, desde que o falastrão seja um turista, pé-rapado e lá dos cafundós da Cochinchina.

Bem, hoje o papel está para pouco, vou me recolher os dentes onde me forem devidos. Contudo, prego aviso, eu ainda irei morrer batendo com a língua: no Brasil, e com toda força no Nordeste, dá-se muito mimo aos turistas, sobremaneira aos turistas do sexo, das drogas e de outras safadices amolecadas. No topo de uma voz de mando, eu lhes daria em cima, de bom jeito, feito jararaca.

Nada contra os turistas, os lídimos turistas que vêm e/ou vão curtir um intercâmbio e soltar uns cobres na praça alheia. Mas tudo a ver contra uns pés-rachados que, por obrigação, em seus países de origem, coercitiva ou democraticamente, devem comportar-se como gente de linha, harmoniosa com o universo e, por cima, ainda ter que fingir-se de civilizada.

Ou então, se lá eles vacilam, dançam é na grande. E pegam xilindró, no mínimo ficam a ver o sol quadrado. Querem um só exemplo? Ronald Biggs, ladrão do “Assalto ao trem pagador”, na Inglaterra, passou anos e anos, a fio, no Brasil, a desfilar nos canais de tevê. Virou até artista, o homem. Uma vez, fugiu daqui para o exterior, a fim de lançar um livro. Mas, um dia, coitado, já velho e babaca, meteu-se a besta de voltar à terra dos pontais e não se deu bem. Foi comer cadeia, até ir traçar raiz de capim pelo avesso.

Fort., 14/09/2010.

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(*) Autor: João Gomes da Silveira

Editora: WMF Martins Fontes, SP, 2010

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Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 14/09/2010
Reeditado em 14/09/2010
Código do texto: T2497276
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