POIS É, PRA QUÊ?
Porque é uma palavra que tem quatro formas de grafia, quatro tormentos, remetendo a perguntas e respostas, motivos e explicações. Não precisava tanto, creio. Por mim uma bastaria para o saudável exercício de comunicar, de aprender e ensinar.
Tem horas que a gente fica escarafunchando umas coisas que nem sei o porquê. Vamos acumulando aprendizados na vida, vamos exercitando o ato de pensar, vamos dando corda às lembranças guardadas de coisas que vimos ou ouvimos há tanto tempo. Por causa de quê?
Tem gente mais pragmática no sentido de não querer aprender muitas coisas que lhes são consideradas inúteis para o seu viver. Preferem às vezes acumular coisas, digamos, mais palpáveis do que o ato de aprender com perguntas e respostas. Estas quase nunca satisfazem plenamente porque não dá para “pegar”, gerando sempre mais perguntas, o que dá uma canseira danada.
Igualzinho com as coisas palpáveis. Compra-se um objeto do desejo (não da necessidade). Aquilo satisfaz por um momento, vem a publicidade dizendo que agora o que você precisa é de outra coisa, e, havendo dinheiro, vai-se comprando mais coisas até saciar a vontade plenamente ou acabarem os estoques. Dura pouco essa satisfação. A do aprendizado traz mais benefícios a meu ver.
Faz sentido eu saber como se fixa uma peça em outra, apertando um parafuso ou encaixando duas peças? Faz sentido um biólogo saber trocar um pneu de um carro? Faz sentido uma dona de casa saber de assuntos que estão totalmente fora da moda da novela, como, por exemplo, de filosofia? Por que um atleta vai saber dos casos de corrupção na política? Vale a pena pensar sobre religião? Um executivo precisa saber algo sobre culinária, se o seu negócio é o mercado financeiro? Para que serve o conhecimento da história? Um inútil saber do pós-fato? E quando vem aquela situação na vida prática em que é necessária uma resposta do tipo: o que você faria?
O conhecimento, ao contrário de bugigangas não ocupa lugar nem incomoda ou traz drama existencial sem por quê.
POIS É, PRA QUÊ?
(Sidney Muller)
O automóvel corre
A lembrança morre
O suor escorre
E molha a calçada
A verdade na rua
A verdade no povo
A mulher toda nua
Mas nada de novo
A revolta latente
Que ninguém vê
E nem sabe se sente
Pois é, pra que?
O imposto, a conta
O bazar barato
O relógio aponta
O momento exato
Da morte incerta
A gravata enforca
O sapato aperta
O país exporta
E na minha porta
Ninguém quer ver
Uma sombra morta
Pois é, pra que?
Que rapaz é esse?
Que estranho canto
Seu rosto é santo
Seu canto é tudo
Saiu do nada
Da dor fingida
Desceu a estrada
Subiu na vida
A menina aflita
Ele não quer ver
A guitarra excita
Pois é, pra que?
A fome, a doença
O esporte, a gincana
A praia compensa
O trabalho a semana
O chopp, o cinema
O amor que atenua
Um tiro no peito
O sangue na rua
A fome, a doença
Não sei mais porque
Que noite, que lua
Meu bem, pra que?
O patrão sustenta
O café, o almoço
O jornal comenta
Um rapaz tão moço
O calor aumenta
A família cresce
O cientista inventa
Uma flor que parece
A razão mais segura
Pra ninguém saber
De outra flor
Que tortura...
No fim do mundo
Tem um tesouro
Quem for primeiro
Carrega o ouro
A vida passa no meu cigarro
Quem tem mais pressa
Que arranje um carro
Pra andar ligeiro
Sem ter porque
Sem ter pra onde
Pois é, pra que?
Pois é, pra que?
Pois é!