MINHA PRIMEIRA PALAVRA - ilações tardias...
Nasci em Ceres - GO, fui criada em Brasília, estudei e nunca aprendi o suficiente. Na juventude fiz teatro e poesias. Deixei o teatro quando engravidei. Meu sonho é voltar a atuar. Escrevo desde pequena, a primeira poesia foi feita aos sete anos de idade, pode crer que é verdade. A primeira palavra que escrevi sozinha na vida foi entre quatro para cinco anos de idade. Quando digo sozinha quero dizer que foi sem ajuda de professores, me guiei somente pelo som, como no exercício que as professoras nos dava:
- ma, me, mi, mo, mu;
- la, le,li, lo, lu;
- ba, be, bi, bo, bu...
E assim lá ia o abecedário junto com as famosas cinco irmãzinhas, as vogais. Nunca vou esquecer: apanhei por causa de uma palavra, mas nem de longe passou algo maldoso em minha cabeça infantil. Foi assim que tudo ocorreu, mas há controvérsias.
Estávamos eu e meus irmãos no ponto de ônibus aguardando o transporte oficial que nos levaria até ao “Colégio Cor Jesu”. Enquanto o ônibus não chegava, meus dois irmãos mais velhos desenhavam no chão, com um pedaço de gesso, o jogo da velha e ali disputavam acirradamente. Uma menina de cabelos com cachos - todos feitos, ordenadamente, no sentido vertical e amarrados com fita de cetim rosa-bebê picotada nas pontas em formato de "v" - desenhava patinhos e lhes dava nomes. Eu não conseguia ler todos os nomes, mas me esforçava para isso, pois a leitura para mim estava em toda parte. Eu já sabia “desenhar” meu nome. Eu estava no jardim-de-infância, se é que aquilo se poderia chamar de jardim, era mais parecido com um quartel de urubus de camisolas negras. O que me irritava nelas (ou neles, as urubus mestres) é que não voavam como a “Noviça Voadora”, mas eram verdadeiras bruxas sem suas vassouras. Mas deixemos isso para outra ocasião, vou me deter aos fatos de quando escrevi a fatídica palavra.
Num ato de desafio a mim mesma, depois de desenhar meu nome rabisquei ao lado dele uma bailarina feita com dois triângulos eqüiláteros, um sobre o outro, unidos pelo vértice quando, de repente, ouvi um de meus irmãos xingar ao outro, uma discussão motivada pelo jogo. Um dos possíveis insultos era sonoro. Repeti a palavra por diversas vezes e percebi que eu poderia escrevê-la. Foi fácil. Do abecedário peguei a primeira, a segunda e a décima quinta consoantes, juntei a cada uma delas a quinta, a segunda e a primeira vogais, respectivamente. Fonéticas em minha cabeça e palavra nova no meio fio, que lajeava o asfalto molhado da L2 Sul. Lá estava ela, aparecendo pela primeira vez na minha vida e já me trazendo confusões, os puxões de orelhas, que não foram os únicos do dia. Na hora do almoço, também, levei da vovó alguns outros acompanhados de palmadas nas minhas mãozinhas. Eu chorava indignada. Vovó ameaçava contar tudo para o vovô, e, apontando o dedo no meu nariz asseverava que ai sim eu saberia o que seria uma “boa surra”. Eu pensava: - Boa para quem?! Graças a Deus nunca apanhei do meu avô. Eu urinava nas calças só de pensar na cena.
Mas, o que eu não entendia, na minha inocência, de até aquele dia, era o porquê eu apanhava quando deveria ser homenageada, afinal eu escrevera minha primeira palavra. Minha primeira palavra, minha primeira palavra caramba!!!!!!! Era uma emoção, no entanto...
Eu falava: Mas vovó, eu só escrevi o que meu irmão falou, por acaso eu escrevi errado? Sem que ninguém me explicasse nada, e, ao contrário do que eu desejava, os castigos iam aumentando. Não pude brincar de finca na terra vermelha e enlameada daquela época, de uma Brasília que já não existe mais, tão pouco pude assistir televisão naquela tarde. Acabei perdendo o Programa do Titio Darlan. A noite para mim chegou cedo, fui dormir às dezoito horas, depois de haver chorado muito.
No dia seguinte, levei alguns empurrões dos meus irmãos enquanto íamos para o ponto de ônibus. Todo mundo estava de cara feia para mim; o gesso havia sido confiscado pela vovó. A Malú, a menina dos cabelos de cachos, sentada na parada olhava para o céu todas as vezes que eu lhe dirigia a palavra. Nada entendi por alguns dias, meses ou teriam sido anos? Não sei, o que importa é que por bom tempo não escrevi mais a tal palavra. Embora ela não saísse de minha mente. Por que será que os adultos são tão cruéis com uma palavra sonora, tão simples, de tantos conceitos e um único significado?
Brasília, 23/09/2006.
Nasci em Ceres - GO, fui criada em Brasília, estudei e nunca aprendi o suficiente. Na juventude fiz teatro e poesias. Deixei o teatro quando engravidei. Meu sonho é voltar a atuar. Escrevo desde pequena, a primeira poesia foi feita aos sete anos de idade, pode crer que é verdade. A primeira palavra que escrevi sozinha na vida foi entre quatro para cinco anos de idade. Quando digo sozinha quero dizer que foi sem ajuda de professores, me guiei somente pelo som, como no exercício que as professoras nos dava:
- ma, me, mi, mo, mu;
- la, le,li, lo, lu;
- ba, be, bi, bo, bu...
E assim lá ia o abecedário junto com as famosas cinco irmãzinhas, as vogais. Nunca vou esquecer: apanhei por causa de uma palavra, mas nem de longe passou algo maldoso em minha cabeça infantil. Foi assim que tudo ocorreu, mas há controvérsias.
Estávamos eu e meus irmãos no ponto de ônibus aguardando o transporte oficial que nos levaria até ao “Colégio Cor Jesu”. Enquanto o ônibus não chegava, meus dois irmãos mais velhos desenhavam no chão, com um pedaço de gesso, o jogo da velha e ali disputavam acirradamente. Uma menina de cabelos com cachos - todos feitos, ordenadamente, no sentido vertical e amarrados com fita de cetim rosa-bebê picotada nas pontas em formato de "v" - desenhava patinhos e lhes dava nomes. Eu não conseguia ler todos os nomes, mas me esforçava para isso, pois a leitura para mim estava em toda parte. Eu já sabia “desenhar” meu nome. Eu estava no jardim-de-infância, se é que aquilo se poderia chamar de jardim, era mais parecido com um quartel de urubus de camisolas negras. O que me irritava nelas (ou neles, as urubus mestres) é que não voavam como a “Noviça Voadora”, mas eram verdadeiras bruxas sem suas vassouras. Mas deixemos isso para outra ocasião, vou me deter aos fatos de quando escrevi a fatídica palavra.
Num ato de desafio a mim mesma, depois de desenhar meu nome rabisquei ao lado dele uma bailarina feita com dois triângulos eqüiláteros, um sobre o outro, unidos pelo vértice quando, de repente, ouvi um de meus irmãos xingar ao outro, uma discussão motivada pelo jogo. Um dos possíveis insultos era sonoro. Repeti a palavra por diversas vezes e percebi que eu poderia escrevê-la. Foi fácil. Do abecedário peguei a primeira, a segunda e a décima quinta consoantes, juntei a cada uma delas a quinta, a segunda e a primeira vogais, respectivamente. Fonéticas em minha cabeça e palavra nova no meio fio, que lajeava o asfalto molhado da L2 Sul. Lá estava ela, aparecendo pela primeira vez na minha vida e já me trazendo confusões, os puxões de orelhas, que não foram os únicos do dia. Na hora do almoço, também, levei da vovó alguns outros acompanhados de palmadas nas minhas mãozinhas. Eu chorava indignada. Vovó ameaçava contar tudo para o vovô, e, apontando o dedo no meu nariz asseverava que ai sim eu saberia o que seria uma “boa surra”. Eu pensava: - Boa para quem?! Graças a Deus nunca apanhei do meu avô. Eu urinava nas calças só de pensar na cena.
Mas, o que eu não entendia, na minha inocência, de até aquele dia, era o porquê eu apanhava quando deveria ser homenageada, afinal eu escrevera minha primeira palavra. Minha primeira palavra, minha primeira palavra caramba!!!!!!! Era uma emoção, no entanto...
Eu falava: Mas vovó, eu só escrevi o que meu irmão falou, por acaso eu escrevi errado? Sem que ninguém me explicasse nada, e, ao contrário do que eu desejava, os castigos iam aumentando. Não pude brincar de finca na terra vermelha e enlameada daquela época, de uma Brasília que já não existe mais, tão pouco pude assistir televisão naquela tarde. Acabei perdendo o Programa do Titio Darlan. A noite para mim chegou cedo, fui dormir às dezoito horas, depois de haver chorado muito.
No dia seguinte, levei alguns empurrões dos meus irmãos enquanto íamos para o ponto de ônibus. Todo mundo estava de cara feia para mim; o gesso havia sido confiscado pela vovó. A Malú, a menina dos cabelos de cachos, sentada na parada olhava para o céu todas as vezes que eu lhe dirigia a palavra. Nada entendi por alguns dias, meses ou teriam sido anos? Não sei, o que importa é que por bom tempo não escrevi mais a tal palavra. Embora ela não saísse de minha mente. Por que será que os adultos são tão cruéis com uma palavra sonora, tão simples, de tantos conceitos e um único significado?
Brasília, 23/09/2006.