TESTEMUNHA INVISÍVEL
A vizinha de cima estava com um novo caso de amor, sei disso não porque falei com ela, porque nunca falei mais que bom dia, mas pelo fato de que sempre que ela esta com um novo amor anda pelo apartamento todo ruidosamente.
Nos primeiros dias ela anda ansiosa, indecisa sobre o que vestir no encontro, percebo pelos passos rápidos e pelo que imagino que seja o guarda-roupa abrindo e fechando a cada cinco minutos. Fica desastrada e começa a derrubar panelas e bater nos móveis, um dia senti um cheiro de queimado, quase corri para ver se o apartamento estava pegando fogo, mas era só o arroz que ela queimou.
Hoje eu sei que ele, seja lá quem for esta atrasado. Seu andar esta meio desesperado, não consegue ficar quieta, presumo que ele deveria chegar às oito e já são 9 horas, as pessoas sempre marcam a hora com o horário redondo, vá saber porque.
Já estou ficando nervoso de tanto que ela anda pra lá e pra ca, bate nos móveis, derruba objetos. Se eu fosse chato dava uma cutucada no teto com um cabo de vassoura, mas não quero me intrometer no sofrimento dos outros, e a culpa é minha de comprar um apartamento em que se ouve tudo, tudo mesmo...
Enfim ouço seu telefone tocar, ela atende de primeira, deixando mais que evidente seu desespero.
- Alo – Ouço sua voz meio tremida dizer, como ela falou meio alto,ouvi claramente a discussão seguir.
Ele não vinha e pelo jeito nunca mais iria vir, ela começou a gritar e chorar ao mesmo tempo.
- Como pode fazer isso comigo – fiquei impressionado pelo fato dele ter terminado por telefone, e ela continua chorando. Para falar a verdade, acompanhei muitas idas e vindas de sua vida amorosa, mas percebi que ele deve ter sido especial, pois sua decepção era evidente.
-Seu desgraçado, infeliz, não venha me falar de amizade, quero distancia de alguém como você, suma da minha vida. – Disse ela gritando, dessa vez acho que o prédio inteiro ouviu, logo em seguida desligou, ou melhor, jogou o telefone na parede e pelo barulho, foi com força. Por um momento nada ouvi, ficou um silencio de expectativa no ar. Depois ouvi um choro abafado, de alguém que mais uma vez sentia o peso da desilusão, e eu na minha solidão, era mais uma vez a testemunha invisível de seu sofrimento.
No dia seguinte nos encontramos no elevador.
Bom dia – Disse ela numa voz rouca. O rosto com uma camada considerável de maquiagem, para disfarçar as marcas da tristeza, o cabelo vermelho vivo brilhava, um contraste contra o rosto apagado.
- Bom dia – Respondi, naquele momento enquanto descíamos pensei que podia comprar outro apartamento, com uma acústica que não me fizesse testemunha, dos singulares sentimentos humanos.