O curioso e as espadas
A nossa sociedade não permite que pessoas "grandes" gostem de coisas de pessoas "pequenas". Um grande que assiste a um filme infantil, joga video-games ou coleciona revistinhas, carrinhos ou figuras de ação é visto como um crianção, um imaturo. Concordo com C. S. Lewis, quando ele diz em "Três maneiras de escrever para crianças" que "A visão moderna, a meu ver, envolve ema falsa concepção do crescimento. Somos acusados de retardamento porque não perdemos um gosto que tínhamos na infância. Mas, na verdade, o retardamento consiste não em recusar-se a perder as coisas antigas, mas sim em não aceitar coisas novas. Hoje gosto de vinho branco alemão, coisa de que tenho certeza de que não gostaria quando criança; mas nao deixei de gostar de limonada. Chamo esse processo de crescimento ou desenvolvimento, porque ele me enriqueceu: se antes eu tinha um único prazer, agora tenho dois.".
Essa semana, fiquei indignado ao viver isso que Lewis cita em seu texto. Depois de almoçar, fui com uns colegas da escola a uma loja para comprar espadas de plástico, daquelas que crianças compram quando vão a uma festa a fantasia, e acabam voltando roxos, depois de brincar de luta de espadas com algum outro que também tenha levado uma. Pegamos as espadas e fomos para a fila do caixa. Enquanto esperávamos, um senhor, com uma cara não muito amigável, igual à dos guardas que vemos parando carros suspeitos na rua e dando baculejo nos passageiros, se encaminhou até onde estávamos, e nos perguntou, muito grosseiramente, diga-se de passagem:
-Vocês vão comprar essas espadas?
-Sim, senhor.
-Têm certeza, que vão comprar mesmo?
-Sim. Já não dissemos?
Deu as costas e saiu.
Fiquei pensando que três motivos o poderiam ter levado a tomar tal atitude, nenhum deles nobre:
1: Que nós somos muito velhos para querer comprar espadas de brinquedo, e muito desocupados para pegar uma fila imensa para não comprá-las.
2: Que ele queria as espadas e, sendo aquelas as últimas da loja, queria, de algum jeito, se apossar delas.
3: Que nós temos cara de ladrões, e que levantamos suspeita das pessoas quando passamos por uma loja.
De qualquer forma, me sentiria ofendido em qualquer um dos três casos, pois seria ou vagabundo para ter tempo ocioso de enfrentar uma fila para não comprar a mercadoria que tenho em mãos, ou indigno de ter o direito de comprar aquela mercadoria, ou que tenho cara de bandido. Como sei que o ódio não é um sentimento bom, prefiro achar que o senhor que nos abordou tinha motivos mais nobres ao indagar aquilo, apesar de não conseguir imaginar outro motivo que o tenha impelido a tomar tal atitude. Se você, leitor, conseguiu imaginar um motivo mais nobre, que faça com que eu não nutra por nosso averiguador este sentimento tão sujo que é o ódio, por obséquio, avise-me. Agradeço desde já.