ONZE DE SETEMBRO: UM REGISTRO
Já é domingo. Ido o sábado findaram com ele remanescentes intranquilidades e expectativas de trágicos episódios. Seria bom que se tratasse do trecho de um conto ou do compartilhar de um sonho; e um pesadelo ainda seria tolerável. Mas, aqui, os fatos e os personagens não são objeto do imaginário nem se resumem a encontro de ficções e conscidências circunstanciais.
Quem sabe teremos cruzado com os pilotos protagonistas dos célebres voos de onze de setembro? O Ano era dois mil e um. Na véspera, tanto quanto aqueles, havíamos regressado do Canadá, no nosso caso, em viagem de adoráveis recordações: as quedas do Niágara, a descoberta de Toronto, o reencontro com Montreal e a visita exploratória à linda Cidade de Quebec. Como o inglês ou o francês não nos erguiam fronteiras para o fim de comunicação, encantava-nos mais um vez a beleza do país traduzida a cada instante e em toda a sua amplitude. Estradas, povo, monumentos, história, culinária, tudo lindo; deveria ser a visita turística o assunto predominante naquele dia. Mas, não foi.
Despertamo-nos cedo para refazer as malas. Preparava-nos para outra viagem, que, agora, não seria terrestre; no dia doze deveríamos embarcar no Aeroporto Internacional, Logan, para iniciar o primeiro trecho do percurso Boston-Rio de Janeiro. Tamanha era a expectativa, que às oito horas daquela manhã cada um de nós, no lar ou nos respectivos destinos, já nos encontrávamos envolvidos com os afazeres preparatórios segundo às prioridades previamente elencadas. E assim seria no transcorrer do dia. No entanto, tal não foi.
Pouco depois, tocou o telefone. A voz do lado oposto da linha sugeria ligar o aparelho televisor. O breve, inusitado e lacônico pedido não dava lugar à hesitação. E, de imediato, assistimos o impacto de aeronave contra uma das torres gêmeas. Imaginamos fosse esta a finalidade daquela chamada telefônica; seríamos uns poucos mais a testemunhar a repetição da cena de um acidente insólito. Entretanto, não o foi.
Graças aos recursos da tecnologia de comunicação de massa e a precisão cronológica ao acaso e humanamente inexplicável, logo compreendemos que acabávamos de receber em cores e ao vivo sinais televisivos mui reais do choque da segunda torre novaiorquina por um outro avião, como o anterior, de grande porte. Ambas as aeronaves haviam partido do referido Aeroporto: Logan. em Massachusetts. Eram voos escalados nas manhãs, que sobrevoavam diariamente nossas cabeças a caminho do trabalho, enquanto rumavam com destino a Nova York e a Los Angeles. Uma a uma, cada decolagem, que podia ser observada das janelas de nosso apartamento, era pura rotina. Porém, àquela ocasião, não foi; a outra, tampouco.
Naquele dia, o mundo mudou. As transformações ali iniciadas viriam interferir significativamente em nossos planos de vida em geral. A começar, após a aterrissagem mandatória de todas as aeronaves civis, a viagem ao Brasil, que tínhamos agendado e programado com a antecedência que a prudência recomenda, só viria a ocorrer quatro dias mais tarde, em um dos primeiríssimos e tensos voos autorizados. Recordamo-nos de que, tendo embarcado, permanecemos imóveis no solo por tempo superior a uma centena de minutos, até que o comandante recebeu a esperada autorização para decolar.
A data nos traz infindáveis recordações, que não caberiam ser enumeradas e detalhadas, ao menos desta vez. Os anos se sucederam; nove se passaram, distanciando-nos cada vez mais daqueles momentos de tristeza e dor. Porém, números, fatos, perguntas sem respostas e nomes permanecem vivos em nossas mentes. À raiz do terror perpetrado em Nova York e em outras cidades norte-americanas, não se apagará de nossas memórias o dia em que o mundo parou: onze de setembro de dois mil e um.