Sentimentos com prazo de validade – Giselle Sato



 
Que todos já sentimos a sensação impotente e altamente frustrante de perder alguém é lugar comum. A palavra perda denota um mundo de opções, tanto a despedida  por força do destino, como morte e fatos inerentes à nossa vontade como o abandono são provas dolorosas. A agonia de estar só mesmo no meio de amigos, a falta que nos faz alguém especial não pode ser descrita em palavras. É peito apertado, falta de ar, vontade de se entocar e fugir para um espaço restrito.
A existência como fardo pesado é contestada. Busca-se no silencio conforto e sabemos que não há mais nada a fazer, senão juntar os pedacinhos de coragem, determinação, teimosia para fincar os pés na terra e levantar.

Ocorre que vivemos em uma sociedade altamente competitiva no quesito beleza, realização profissional e pessoal. Os dados confirmam o quanto pesa a idade pesa, não mais como sinal de finalização e sim como ponto de reflexão. É um desafio para muitos que fazem tudo para ludibriar o tempo enquanto poderiam  ter um grande aliado, é uma briga desigual. Ele  não dá a mínima e continua seguindo seu ritmo inabalável. Não há milagres para rejuvenescer sensações, despertar novamente sentimentos mortos, apagar situações do passado para nosso contento. 

Neste feriado uma amiga mostrou fotos do companheiro, parceiro de quase uma vida inteira de uma relação que para ela estava boa e estável. Não era bem assim. Em um site de relacionamentos onde todos se conhecem e postam fotos e trocam mensagens, ela descobriu que não fazia parte da vida do marido há meses. Ele apresentou o novo amor sem se preocupar com as conseqüências, não houve ruptura oficial nem conversa. Sorrindo feliz da vida, lá estava a substituta fotografada no quarto que antes ela ocupava, poses e mais poses em todos os cômodos da casa de praia que não era mais dela. Bobagem dizer o quanto esta situação nos deu aquela sacudida. Foi tipo: - Acorda Alice! Não existe estabilidade conjugal, felizes pra sempre é coisa de conto de fadas. Salvo raríssimos casos, tem que cuidar e muito para não esfriar.

 Na realidade todas as amigas que já vivenciaram esta situação ou não,  se ressentiram porque a dura verdade é que na nossa faixa etária bate uma insegurança. É a famosa casa  dos cinqüenta e quebrados, que significa  vida estabilizada e filhos criados. Missão cumprida e aposentadoria chegando ou formalizada.   Algumas pessoas colocam na balança se vai valer a pena continuar a viver da mesma forma ou realizar um sonho, começar tudo de novo e  dar um pé no cotidiano. O sexo morno, habitual, tão igual...  Nesta hora nos perguntamos quando foi que paramos de nos amar e nos tornamos amigos, é também quando enxergamos novas opções.
 
Lógico que nem todos fazem isso, mas lembro que corre uma lenda que Daniel Day-Lewis terminou a relação com minha atriz preferida, Isabelle Adjani via fax (não havia email?) após receber um anúncio de gravidez pelo mesmo método. Então vem de longe a opção de não encarar uma boa conversa e finalizar educadamente o que um dia já foi bom o bastante para existir.

As mudanças acontecem e os amores vem e vão, oscilando em atrações arrebatadoras, cansaço e brigas, descaso e desinteresse, falta de objetivos comuns e os tantos rumos que tomamos.
São decisões que pesam, magoam e machucam quando somos substituídos, deixamos de fazer parte de um contexto tão cômodo em nosso dia a dia.
Nestes momentos que a auto estima está no pé nenhum conselho vai adiantar, mas dentro de nós existe um mecanismo de defesa, que pode ser acionado e aliviar a dor. Se pensarmos que uma porta fechou e existem milhares de outras para serem abertas, se encararmos o espelho e formos gentis com a pessoa de olhos tristes que enxergamos refletida, é um bom começo para sair da inércia do luto que nos obrigamos a vivenciar quando somos deixados.

Pessoas não nascem com rótulo nem prazo de validade, interagimos pela necessidade de partilhar em trocas sadias, a própria existência. Insistir em buscar respostas inexistentes é perda de tempo, quem foi embora tem seus motivos e  quem ficou para trás opções como seguir em frente ou permanecer arraigado ao passado.
Enquanto choramos  o mundo oferece de graça porções de amor: na natureza em flor, águas do mar, rios e cachoeiras, paisagens de tirar o fôlego, montanhas imensas que parecem nos abraçar. Todas estas maravilhas são para uso contínuo, não aceitam devoluções de onde foram criadas e estão vivas para provar que vale a pena continuar a jornada. Aquele universo lá em cima cintila fé, planetas, sonhos  e é visto por  milhões de vidas pulsando esperança, tristeza ou alegria. Talvez seja o ponto de partida, tão simples como merecer o acalanto da terra por ser também ser fruto, é saber que existe um propósito maior para existir.

Apesar da solidão momentânea, não deixe de acreditar no amor, lembre-se que cúmplices não se importam tanto com pequenos defeitos quando  enxergam grandes qualidades no companheiro.
Pense que há romance em qualquer idade, independente da data de nascimento o por do sol emociona todos da mesma maneira. Permitir que o coração bata mais forte  não será fácil, mas não há pressa quando desejamos companhia tranqüila, equilibrada e verdadeira.

Sem avisos de prazo de troca, apenas uma etiqueta mandando tomar cuidado e tratar com carinho e delicadeza. Assim tocamos o barco adiante, recuperando o bom humor e abrindo as velas para receber os novos ventos. Que soprem fortes e sempre em frente.
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 10/09/2010
Reeditado em 10/09/2010
Código do texto: T2490075
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