Sorriso de Verão
A professora pedia sempre que Vera passasse a lição na lousa e ela escrevia com giz branco no quadro verde novinho em folha. Era o primeiro ano letivo na Escola Estadual recém inaugurada. Cursávamos a quarta série do primário. Faz quase trinta anos. No Brasil, a ditadura militar prevalecia, mas brisa suave da democracia já começava soprar.
Vera escrevia na lousa com a letra bem redondinha e de vez em quando soltava uma gargalhada. Eu ria também. Vera era engraçadíssima, era maior que eu, era maior que quase todos da turma. Por isso nós a chamávamos de “Verão”.
“Verão” foi a primeira garota que eu vi fumar. No recreio, soltava baforadas com a cabeça pra cima e a fumaça subia alto. Um dia “Verão” desapareceu feito fumaça no vento. Nunca mais eu a vi.
Reencontrei a mãe de Vera recentemente. Está velhinha, com a cara sofrida, mas cheia de esperança. Cuida das bisnetas para os dias passarem rapidamente.
Perguntei-lhe sobre Vera. Por onde ela anda, quis saber. Esta menina aqui é neta da Vera, disse-me mostrando a garotinha que a acompanhava. Acho que você não ficou sabendo, né? A Vera teve uma filha linda, o nome dela é Marcela, tem vinte e cinco anos. É moça trabalhadora. Acho que você não ficou sabendo, né?
Mês que vem faz dez anos que Vera morreu. Meteu-se com coisa errada e morreu magrinha, magrinha.
Vera foi das primeiras viciadas em crack e morreu contaminada com o vírus da AIDS. Em minha memória e na foto velha de nossa turma da Escola uma imagem eternizada: O sorriso de “Verão”, bem maior que o meu...
Primeira versão em: Maio de 2010.
Reescrita em formato de crônica em Julho de 2010.