Defronte a minha casa, há um exército de árvores,
algumas são frondosas, outras magricelas. Emaranhadas,
formam um paredão de verde,rosa e amarelo, roxo num mosaico retrato.
Na troca de turno do sol e da lua, alguns seres aproveitam para se banhar nus de madrugada no lago. Se vestem em forma de sombras e se deleitam nas águas mansas, enquanto os seres normais vão dormir e os poetas escrevem. 
Nem imaginam que eu estou a espreitar a natureza,
assistindo a hora que elas vão sair dali para passear.
Algumas árvores usam os próprios aneis da idade secular para se adornar e olham o reflexo no lago como espelho para se arrumar,
passando no rosto o cerne da própria pele para se enfeitar.
Tenho duas delas em especial, vivendo em frente da minha casa,
nem sei por quem foram plantadas e porque são tão diferentes.
Uma é o longínquo passado e a outra é o futuro que não chega.
Estou posicionada no meio... Sou o ponto de referência delas.
Da esquerda geralmente é negra, enferrujada, calada, livro lido.
Em algumas situações fica alvoroçada com o vento, com o sol e lua.
Fica verde esperança, veste-se de folhas e esconde o tronco escuro
na ânsia de se mostrar bela, sorriso amarelo, contraste verde musgo.
Depois cai em si e volta a clausura... curva-se para o sol passar...
A tal árvore da esquerda morre todo ano, me engana, parece que vai sucumbir.
Nas noites de festa troca de roupa e oferece seus cachos de flores.
Eu, já tão presente nem me surpreendo quando acham que não eu também não sobrevive. quando me escondo por detrás das cortinas. 
Pode ser uma armadilha, não posso confessar que vejo a transformação
bem defronte minha janela, passado e futuro ali, nas árvores que nem
viraram livro ainda... As protejo com os olhos e nem sabem meu nome.
Enquanto isso vou carregando o presente como se ele não me ferisse,
dia par, dia ímpar no calendário da vida. ampulheta de mais de 24 horas.
Quando meus olhos ficam marejados, já sei que vai chover, nem me importo então de sofrer, misturamos as lágrimas com as gotas de orvalho.
Vez ou outra olho a árvore da direita. Miragem das flores e sonhos tão altos que nem ouso querer colher. Consigo apenas recolher as imagens refletidas no lago.
Vivo no meio de duas árovres distintas e questiono qual escolher pra preencher o meu dia.
Representam o meu passado e o obscuro futuro, escrito nas veias de cada uma.
Geralmente os olhos vertem para a esquerda, mesmo que doa é melhor pra se viver...
já virou passado, já machucou, é melhor do que sofrer por algo que vem vindo.
Tranco o futuro no tronco pálido da direita, nela não tem desenhado nenhum coração.
Assim não é preciso ler histórias novas, feitas de inebriantes casos e acasos...
Na inquisição nos queimariam sem distinção, elas por fornecerem a celulose e eu por escrever! 
Queimaram todas as árvores que viraram livros de poesias, aquelas que falavam de amor mas
deixaram as árvores que continuaram trancadas e não saiam de madrugada.
Por isso mesmo, as que hoje existem se escondem do lenhador, e ficam a mercê de alguns
pássaros aventureiros para plantarem a próxima geração, fazendo a migração sem nenhuma
pretensão de envolvimento , pelo simples ato da multiplicação em série das árvores caladas,
que por isso mesmo conseguiram sobreviver em frente a minha casa e da sua...
Railda
Enviado por Railda em 10/09/2010
Reeditado em 17/02/2017
Código do texto: T2489523
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