Arte: Capacidade Mnemônica (Acerda do "Dia da Saia")
Valia pena!
E aqui estou, por necessidade, a contar mais um caso. Este aconteceu em idos jornalisticamente distantes (tão ou mais distantes que os 510 anos da crônica anterior). Refiro-me ao episódio de 2009: Saia da UNIBAN. Faço uma síntese do ocorrido, afinal, desde então, já tivemos big brother, o fim da novela, Faustão lipoaspirado, muito terrorismo, estamos na copa do mundo e, logo logo, eleição presidencial.
Num desimportante 22 de outubro de 2009, quarta-feira, uma aluna da faculdade(?) UNIBAN, foi para a aula trajada com uma saia que por muitos colegas foi considerada curta, inapropriada, indecente, playboizante. Independente do cumprimento da indecência - ou melhor - do comprimento da saia, os e as colegas da aluna se excitaram, perderam o controle. Uma multidão de alunos fez questão de achincalhar, xingar, hostilizar, agredir a estudante. Com interferência policial, a ordem sobreviveu, e, democraticamente, a aluna foi expulsa da faculdade após o episódio.
Numa outra quarta-feira, 9 de junho de 2010, assisti no Reserva Cultural, pelo Festival Varilux de Cinema, o intenso e polêmico filme O Dia da Saia de Jean-Paul Lilienfeld.
Outra síntese: o filme conta o caso de uma professora de escola pública francesa que, ao ser ameaçada e afugentada por alguns alunos, em posse de uma arma, sequestra e mantém a turma refém dentro do teatro do colégio. Abordando brilhantemente a questão da violência, do preconceito e do machismo nas escolas, há uma cena marcante no filme: durante as negociações com a polícia, desesperada e desiludida, a professora faz uma exigência: que o ministro da educação oficializasse o “dia da saia” – um dia no qual todas as alunas teriam que vestir saia.
Não pretendo transmitir aqui o peso que este momento tem no contexto do filme, digo, apenas para terem uma idéia, que lágrimas me escaparam dos olhos ao ouvir tal exigência.
Quando eu falava – bem lá no comecinho do texto – da necessidade de escrever, suspeito, sem muita certeza, que me referia à vontade de contar estória-pensar história. Da necessidade, surgiu também o seguinte texto – escrito por mim dois ou três dias após o episódio na UNIBAN, que relembro aqui:
Extra! Extra! Extraordinário: aconteceu a micro-Saia, a mini-Saia, a Saia, a saída do aparentemente normal! Dane-se a dona da Saia – ousarão supor alguns desavisados! O fato é que a Saia (nome que repetiremos mesmo, para ficar gravado) foi afugentada por quase mil peças de roupas inumanas, animais, por manequins bestiais. Pena que a Saia não foi estuprada, não foi mutuamente orgiada – dirão as manchetes. O importante mesmo é que a Saia, agora, merece a devida atenção, então, vamos debater até o fim – escreverão cronistas, cartistas ou algum desocupado escritor-leitor (Eu). E no fim, aos pouquinhos, esqueça da saia: ela há de voar pela Janela, há de ser Sequestrada, há de esconder dinheiro em Roupa-íntima... E daí, pois, vamos falar de: cultura, preconceito, feminismo, televisão, educação, futebol, cerveja, e no fim, de merda nenhuma... Voltemos a Saia? A dona da Saia? Creio que não! Falemos da cultura de massa (ou melhor, seria dizer política de massa, Piglia?), somos uma ultra-lucrativa “máquina de produzir lembranças falsas e experiências impessoais: Todos sentem a mesma coisa e recordam a mesma coisa, e o que sentem e recordam não é o que viveram.” Então, que raios de coisas estamos vivendo? O que pode significar ou realmente significa uma Saia? Às cucuias do nada com a minha opinião! Qual a Sua Opinião? Há algo para se fazer com Ela?
Uma Saia?
Um filme? Pérfidas palavras de um moralismo efêmero. Um filme? Não! Um agitador do submundo, uma pérola para a memória, uma chance de repensar a existência.