Geração-Mito
“Tudo isso existiu mesmo?” Era a tal “frase correta” que estalava dos lábios enquanto as crianças aos poucos iam sendo ingeridas pela força do mito que ouviam. “Éramos marinheiros de passagem, todo oceano tinha em si um quê de universo, uma porção de vidas múltiplas. Existia respeito e tudo era, de certo, muito definido”.
Aquele velho desdenhava com as palavras de uma boca que parecia estar sempre seca, seu rosto formava uma alcatéia de silabas tônicas variantes, de um timbre hostil até o mais cínico. Apesar disso, era incrível como todo o conjunto corporal e metafísico daquele senhor conseguia eclodir com tanta sincronia. Sincronia: Talvez esta fossa a palavra exata que definisse os mitos que contava, folclores que se alastravam a passos surdos.
“Passamos então a existir em um mundo desregulado, mundo que nenhum pirralho como vocês pôde sentir com sinceridade. Nenhum de vocês jamais sentiu o poder juvenil de uma primavera florida, ou a severidade do inverno carregado de disciplinas”.
O que eram estas coisas que o homem chamava de estações do ano? Ninguém sabia, Nenhum deles ousou levantar as pequeninas mãos e responder. “Qual o clima de hoje, crianças?” frio ou calor, era disso que entendiam. Altamente compreensível era este mundo, onde até mesmo uma manhã de mormaços tinha os pés enfiados nas passarelas das modas descartáveis, ou do mundo onde uma noite de geadas explodia repentina em seus mercados de negócios, totalmente dependente das cotações do sagrado dólar.
Que se digam de passagem os marinheiros de primeira viagem, porque a eles é que os próximos outonos lacrados nas sepulturas pertencerão, quem sabe com um imenso sinal de cruz, corrompida por um homem que não se importa com as trincas nem repara eixos de translação fora de linha.