Amoras

Eram quase 17 horas. Organizei minha mesa. Fechei as gavetas. O dia fora duro. Problemas e mais problemas na escola. Professores que faltaram, alunos que transgrediram o regimento interno, cobranças da delegacia de ensino... Apesar da fama de durão não podia deixar de me permitir um momento de descanso. Desejava apenas ir embora. Ir para minha casa, tomar um banho, sentar-me ao sofá e continuar a leitura de um livro.

O horário de verão retardava o fim do dia. O sol quente me acompanharia até minha casa.

Saí da escola, ganhei a rua. Deixar os problemas aí trancados até o dia seguinte me trazia um certo conforto.

Caminhava distraidamente quando vozes de crianças vindas detrás do muro de outra escola pública me chamaram a atenção:

- Abaixa, abaixa, esconde! – disse uma das crianças.

Eram alguns de meus alunos que estavam a cometer um torvo crime. Comer amoras. Comer os frutos no próprio pé. “Infrutescência”, meu biólogo e censor interno corrigiu. Não liguei para o ato transgressor. Lembrei-me de meus tempos de adolescente quando “matava aulas” e, com um grupo de afoitos colegas dirigia-me ao “recreio alegre” — lugar para onde nos dirigíamos a fim da cabular chatas aulas. Lembrei-me do regato de águas cristalinas que pisávamos, descalços, para sentir o frescor das cristalinas águas e chupar guabirobas.

Trepados em amoreiras repletas deliciavam-se com os roxas infrutescências arroxeando suas bocas e camisas. Fiquei com inveja. Não aquela inveja roxa, mas aquela branca, doce. De também ali estar.

- Por quê, é a polícia? – inquiriu o outro.

- Pior, – disse o primeiro. É seu Gilberto.

Aquilo me atingiu como uma pedrada no cocuruto. Decididamente, era hora de mudar minha imagem de diretor.

São Joaquim da Barra, 03/10/2005