O TEMPO AMIGO ("As verdades também são mentiras quando o tempo passa. Tudo é mentira quando se olha para trás.")
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Roguei ao Deus eterno, o dominador do tempo, que não matasse meus inimigos, uma praga necessária, porém foi rápido demais, nem vi passar o tempo (como se fosse ele a passar), esbarrei na consequência, a minha velhice chegou, então eu tive de assistir a morte deles, de um a um, assim como em qualquer “macumba”, pois parte do mal desejado a eles recaiu sobre mim. Ou como diz o lugar-comum: o feitiço recaiu sobre o feiticeiro. Já ouço seu chamado, meu espelho me anuncia a mudança que não me dei por conta!
Oh, tempo, meu aliado! Fez-me velho depois de fazer tombar meus inimigos, e os ainda vivos estão inválidos com os dias contados. Do que me adianta esta paz se já não posso desfrutá-la, apenas posso dormir tranquilo, sono de velho, com sonhos tão vazios!
Quantos "otários" apertaram minha mão com bastante força para me mostrar seu poder vital, quando na verdade estavam atraindo sobre si a revolta de quem cuida de mim: o tampo! Então, foi certo, que em meio a meu desconforto, pobreza e desprazeres, quando eu os amaldiçoei, veio-me a tortura de vê-lo desconfortáveis, pobres e desprazerosos! Agora, insatisfeito com esta ausência de guerra, parece-me razoável crer, embora tenha tranquilidade do silêncio, que não posso me sentir feliz se não tiver desafiantes. Faltam-me inimigos. Alguém quer ser inimigo de um idoso de olhar triste?!
Não, não me faltam inimigos, falta-me, na verdade, o vigor da juventude, e reconheço a coerência Divina. Agora eu não poderia administrar os ataques deles com as impossibilidades naturais de um ser calejado. Aí, entra o reconhecimento do amor de Deus e a harmonia da natureza, sempre me abastecendo da capacidade para enfrentar minha própria degeneração: minha inimiga maior. A guerra é outra, é contra o tempo. Em meio às responsabilidades deste mundo, inclino a sentir necessidade não dessa tal paz que agora reina, mas de meu fogo da carne lisinha de outrora, pois o tal não me privava de olhar em direção para o futuro com tantas rugas.
Como vê, é profundo dentro de mim o senso de não poder ser realmente feliz sem prazer, o prazer de lutar e vencer, mesmo tendo muitas coisas desejadas por muitos: uma aposentadoria à vista e segurança! Aliás, vivo mesmo à mercê do tempo, do qual não há escape. Sei, o tempo resolve, sim, qualquer problema para os acomodados e lhes cobra a alma como pagamento. Dizem alguns que nada melhor que um dia após o outro, e esta voz fica assoprando em minha mente, lembrando-me a aquiescência da morte.
Se o Senhor está desejoso de satisfazer minha necessidade, então me dê o alimento certo para minha fome! Não é uma carência falsa, sentimento despertado pela solidão na qual estou mergulhado, ou excitação mental do medo, mas um grande desejo: ser presenteado por Deus por algo que equipare-se com o vigor, a saúde e a energia vital. Todavia o tempo não tem volta, assim como meus inimigos se foram, vou eu também e irei como inimigo dos outros!
"RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?"
Cecília Meireles