Os eclipses
                  e o fim do mundo 



     Eclipses do sol e da lua vêm acontecendo com surpreendente frequência. O chato é que nem sempre a gente pode acompanhá-los a olho nu. Dias atrás, tivemos mais um solar, o último em 2006, segundo nossos atentos astrônomos.
       Para vê-lo, acordei com os olhos no céu, certo de que alcançaria o fenômeno em toda sua dimensão, desdobramento e deslumbramento.  Não foi possível. No Brasil, só na cidade de Natal ele foi visto. Fiquei frustrado. Na minha idade, essas maravilhas siderais passam a ser imperdíveis. Agora é esperar pelo próximo, lembrando-me do eclipse total do sol que vira em outubro de 1940.
     Hoje, quando se fala em eclipses, ouve-se que eles são, apenas, "um belíssimo espetáculo" no céu. Nada mais do que isso. Mas nem sempre foi assim: os eclipses já amedrontaram. 
     Este pífio escriba,  menino e matuto, viu o eclipse do sol de 1940, morrendo de medo. No sertão de minha infância, os eclipses eram vistos como anunciadores do fim do mundo.
     Naquele tempo, sabia-se muito pouco do que acontecia no espaço sideral. Ainda não existiam as possantes sondas espaciais espionando o Universo; desvendando-lhe os mistérios; revelando-lhe os segredos.
     Em outubro de 1940, dia do eclipse, a manhã era clara e fazia um calor intenso. De repente o sol começou a esfriar e o céu a empalidecer. A manhã, até então resplandecente e queimosa, foi se transformando, lentamente, num ameno fim de tarde!
     Enquanto a penumbra e uma fria brisa baixavam sobre a Terra, o povo de minha cidadezinha, cheio de interrogações, entrava em  pânico. Em minha casa, ficamos todos apavorados. Minha mãe reuniu os filhos, e, ao lado do meu pai, recitou jaculatórias e rezou o Terço.
     O sol aos pouco foi se apagando. O fim do mundo poderia estar chegando... muito antes do tempo "fixado" pelo piedoso vigário de minha paróquia, nos seus gongóricos sermões domingueiros, falando sobre o pecado mortal e o juízo final, com sua voz rouca e ameaçadora.
     Enquanto o mundo começava a escurecer, os galos emudeciam; as galinhas procuravam os poleiros; o gado voltava aos currais; e os pássaros buscavam abrigo nas viçosas árvores que enfeitavam a minha rua. Vi mulheres com rosários nas mãos, e o velho cura, alvoroçado, fazendo prolongadas orações.
    Soube depois, que os entusiasmados e irrequietos comunistas do lugar tinham sido flagrados rondando os confessionários e a sacristia da igreja de Senhora Sant´Ana, a santa  padroeira.
     Nada aconteceu, além de um surpreendente e estranho "anoitecer", que durou alguns segundos, numa manhã sertaneja, em dia de eclipse total do sol.
     Enquanto o sol voltava a brilhar, os galos cantavam; as galinhas abandonavam os poleiros; o gado retornava ao pasto; e os passarins, trilando, ganhavam as acácias que ornamentavam a pracinha. 
     As beatas, aliviadas, guardavam seus rosários e o vigário, sorridente, da janela da casa paroquial, bradava: "Graças a Deus! Graças a Deus! O mundo não acabou!"
     E os comunistas? Exibindo na lapela de seus surrados casacos a foice e o martelo, reiniciavam a velha pregação, ressaltando, com vigor redobrado, as virtudes do companheiro Luis Carlos Prestes.
     1940. Eu vivia, como disse, num sertão distante e desinformado. Um modesto rádio, ligado a uma bateria de carro, era minha única fonte de notícias. 
     Quando a luz apagava, o rádio silenciava: o sertão e eu ficávamos longe de tudo, agora sob a luz dos candieiros. 
     Era, pois, compreensível que nós, matutos, tivéssemos medo de relâmpagos, de cometas, das estrelas cadentes e dos eclipses.
     O cometa Halley, por exemplo, assustou muita gente. Amigos, que, em 1910, o descobriram na hora do crepúsculo, disseram-me que tremeram de medo. E completaram: "O povo apostava no fim do mundo, se o rabo do Halley tocasse, ainda que de leve, na Terra."
     O cometa se foi sem molestar ninguém, prometendo voltar em 1968. E voltou.
     Chateado, certamente, com tudo o que de ruim está acontecendo por aqui, ele passou bem distante do nosso complicado planeta.  Poucos puderam vê-lo; poucos puderam revê-lo. Agora, só em 2046, asseguram os astrônomos. Se até lá, digo eu, a Terra ainda existir.
     Concluo este sidéreo papo contando-lhe, meu bom leitor, esta historinha que colhi num livro de Machado de Assis.
     Segundo o Bruxo, vivia em Alagoas um frade virtuoso e probo, cujo nome ele omitiu. O exemplar sacerdote dedicava boa parte do seu tempo a benzer velas e fósforos dos fiéis que se declaravam com medo do fim do mundo.
     Quando indagado se o mundo ia mesmo acabar, o esperto monge, com serenidade, respondia: - "Eu não sei. Mas a Deus nada é impossível." E, intangível, prosseguia abençoando as velas e os fósforos que, diariamente, lhe levavam suas amedrontadas ovelhas.
     Machado não confirma se o velho cura cobrava algum dinheiro pelo seu trabalho. Eu, entretanto, admito, que o experiente vigário devia receber u´a modesta espórtula; grana suficiente para pagar sua xepa, e comprar uma batina nova no Natal...      

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 24/09/2006
Reeditado em 12/08/2020
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