Pernambuco se vê nas três cores mágicas de um time
O Recife amanheceu pintado de vermelho, preto e branco, um mar tricolor parando a cidade neste domingo (5), oceano coral feito de paixão. Engarrafamento geral, buzinas, bandeiras e vozes enlouquecidas. O Santa Cruz jogaria no Arruda contra o fraco time do Guarany de Sobral pela quarta divisão do futebol brasileiro.
Em João Pessoa, o tricolor fanático Gilberto Júnior é quem narra sua aflição, ouvindo o jogo pela rádio Jornal do Comércio: “cara, quando o Guarany de Sobral fez 2X0 eu chorei involuntariamente e recebi telefonema de mais dois doidos desesperados”. Ele quase teve um treco. “Eu tremia quando os arre-éguas fizeram dois a zero”. Ele e os 51 mil torcedores que foram ao estádio do Arruda, segundo as contas da diretoria que deve 10% da renda à Previdência Social. Foi muito mais do que isso, e assim mesmo, somando as 4 divisões, o Santa tem a maior média de público, seguido do Fluminense.
E segue Gilberto narrando sua aflição: “30 minutos do primeiro tempo, perdíamos por 2X0, virou pra 3X2 e ainda na primeira etapa ampliou pra 4x2. Levou mais um e no final terminou o jogo em 4x3. Se eu fosse gato teria perdido cinco das sete vidas”.
O amor exaltado por esse time é um processo poético. Senão vejamos mais depoimento do Júnior: “O céu tava azul e o Santa jogou com o terceiro padrão que é um azul celeste”. É a transposição de um jogo de futebol para o plano mais elevado e comovente da poesia. E prossegue, ardentemente exagerado: “o Santa Cruz é um fenômeno, é a fome do povo Russo no início do século 20, é a coluna Durutti na resistência, é o povo palestino contra Israel. Até Lula reconheceu a força de nossa torcida, e no final do jogo, Tom Zé vestiu a gloriosa camisa tricolor e foi pro meio da praça da Sé se banhar nos instintos arrebatados de paixão da torcida da cobrinha”.
Para Gilberto e os demais tricolores, o Santa Cruz é o fio de esperança de uma grande parcela de pernambucanos. “Representa tudo; vencer na vida, felicidade familiar, um bom domingo... Comparando com o maracatu de baque virado, eu diria que o Santa Cruz é a lança do caboclo: se partir a casa cai”, define Gilberto Júnior da cobra coral.
Eu sou adepto (como dizem os portugueses) do Clube Náutico Capibaribe, o timbu dos Aflitos, mas confesso que tenho inveja desse sentimento de paixão tão radical dos tricolores pernambucanos. É mais forte que o instinto de conservação. Tricolor é capaz de qualquer sacrifício para ver seu time jogar.
A vaidade e o orgulho de vestir a camisa de um time que está na 4ª divisão é um fenômeno psíquico complexo. A transposição desse orgulho para o plano de quase religião, nem Freud explica. Nenhum clube do Brasil se compara ao Santa Cruz no quesito fidelidade e amor de sua torcida.
Bajado retratava nos seus quadros o carnaval de Olinda, e sempre nas figurações aparecem nas ruas alguns torcedores do Santa. No Mercado Eufrásio Barbosa, no Varadouro em Olinda tem uns painéis do Bajado, reproduzindo no nível pictórico a essência de Pernambuco. O Santa Cruz está lá, talvez representando o verdadeiro espírito do pernambucano.
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