EU NÃO SEI ESCREVER POEMAS

Desisto! Deu branco, se escafedeu o pouco de sintonia que ainda restava na minha vazia existência... (ó pobreza do ser!!)

Já faz quase três horas que estou no primeiro verso. Até agora só saiu isso:

“Você em mim...

Dias de sol ou noites de lua,

Seja na vivacidade do fogo

Seja no afeto do ventre

Na força do abraço

Ainda que a boca tua sem mexer

vá constando de vis palavras nuas”

Ridiculo!

Vou refletir sobre a ignorância, não filtrando meus pensamentos:

Fazer o quê, se nem todos são ‘Vinicius’, ‘Quintanas’ ou ‘Florbelas’? ‘Eta’ mundão injusto, que esse diacho chamado talento, quando falta dá um vazio tremendo.

O destino glorioso de algumas minorias dilacera o grupo ‘escória dos mortais’ que atrevidamente se apresentam a escrever algum “Dias de sol... “.

A palavra no ambiente certo, corta o coração em mil pedaços e faz dos mortais apenas uns engolidores (ou difusores) de versos profundos, que depois de ler uma poesia do Drummond (por exemplo), dizem no plano mais intenso de lirismo que sua alma grotesca pode chegar: “Pôxa!”

Palavras em ambiente errado, desproporcionais, transformam em lei as maiores barnaries que a humanidade já produziu. Palavras mal ditas, são no mínimo como soquear o vento, profundas como conversa de bêbados e belas como casca de ferida. Incrivelmente, conversas broncas geram, não raro, maior debate ‘filosófico’ do que eventos literários de valor.

Não se atiram perolas aos porcos, e um copo só está limpo se for lavado por dentro.

Vá entender a natureza humana!!

Queria ser cego de espírito também, pra não perceber certas mediocridades a que sou capaz. Quem sabe, assim e deste modo, meu peito entorpeceria em madre tranqüila e amiúde, entenderia o que há por trás da alma de um escrito apresentável.

Não posso nem mesmo, por mais que minha utopia deseje (ou desejo sem deslumbramento, mas não mereço, consigo ou sou digno), colocar numa folhinha de papel, sequer versinhos infantis e canções de ninar.

A cada frase construída: espanco meu teclado, maltrato minha escrita já sofrida e ordenho leite das tetas de um vocabulário funesto que sonho em alcançar.

Pobreza espiritual não (mas, sem muita convicção ao falar isso)! Apenas consciência do que sou: um retrato do retardo nacional. Academia Brasileira de Letras? Nem que a vaca tussa, masque chiclete e aprenda braile!

Ah, já sei:

“Você em mim...

Dias de sol ou noites de lua,

Seja na vivacidade do fogo

Seja no afeto do ventre

Na força do abraço

Ainda que a boca tua sem mexer

vá constando de vis palavras nuas

Nuas como essas palavras tão cruas...”

... anêmico e sem atingir nem mesmo o lugar comum! (Mas não estou sozinho nesta jornada, ufa!)

Martins Filho
Enviado por Martins Filho em 15/06/2005
Código do texto: T24804