O GOLPE DOS 15 MINUTINHOS
Assim como quem não quer nada, passeando pelo shopping numa tórrida tarde de um sábado qualquer, resolvi acreditar no inacreditável e quando dei por mim havia caído na tentação do golpe dos 15 minutinhos.
Com tanta coisa pra fazer em casa me deixei levar quase pela mão de uma vendedora muito bem instruída na arte de seduzir e enganar clientes desavisados ou distraídos, para ser mais branda.
E só percebi que havia caído no golpe quando os atraentes 15 minutinhos com que ela me convenceu a fazer um cartão da loja já eram mais de 45 longos minutos de espera pelo passe mágico que iria me abrir as portas do mundo encantado do palácio do consumismo.
No vidro espelhado por onde apareciam e sumiam rostos de sorrisos enigmáticos na mágica iniciada com a abordagem da garota, eu só conseguia ver a mim mesma quase no limite da irritação pelo engodo em que havia caído e pela impotência de não poder adentrar a esse mundo de mistério por trás do vidro espelhado onde era decidido, à minha revelia, o meu destino de consumidora.
Embora já houvesse respondido a todas as inúmeras perguntas e fornecido todos os dados necessários ao processo com os respectivos documentos: contracheque, comprovante de residência, CPF, Registro Geral, nome e telefone de duas pessoas conhecidas (coisa mais sem lógica, se é meu amigo nunca vai me desmentir, portanto o testemunho é tendencioso), o escambau, tive que responder inúmeras outras vezes a muitas outras perguntas cretinas das atendentes. Estas no seu ir e vir constante só pra constatar o óbvio sem resolver nada,contribuíam para me deixar ainda mais irritada me sentindo ré em plena Inquisição ou num interrogatório da Gestapo.
Enquanto nos corredores indevassados por trás do vidro espelhado os agentes da burocracia financeira devassavam a minha vida, chafurdavam o meu passado e decidiam o meu futuro como voraz compradora (vide as sacolas cheias de roupas que a essas alturas já carregava como um fardo ou um tesouro e que esperava o passe ser liberado para entrar definitivamente em sua posse) a minha irritação ia crescendo assustadoramente chegando a níveis alarmantes à proporção que a demora aumentava e as respostas lacônicas dos funcionários da loja me indicavam a possibilidade de ser negado o meu pedido por motivos inimagináveis mas que faziam temer o pior.
Ante pensamentos tão sinistros fiquei tentando lembrar-me de algo que eu tivesse deixado de fazer ou que tivesse feito que pudesse manchar a minha reputação ilibada de compradora e fizesse por merecer tão minuciosa varredura na minha história de consumidora.
Enquanto isso vinham na minha cabeça algumas indagações e inquietações de cunho social claro. De repente eu pensava comigo mesma: Imagina vocês, se eu que tenho emprego fixo, contracheque para comprovar renda e emprego, contas especiais em bancos particular e do governo, residência fixa (coisa que serve até de motivo para um acusado ser solto e responder processo em liberdade), pago altos impostos, tenho uma renda razoável para a nossa realidade (embora reclame dela todo dia), amigos com telefones para dar boas informações sobre a minha pessoa e confirmar o que os documentos já comprovaram(onde moro, trabalho, estado civil, etc.) sou obrigada a passar longos e irritantes minutos esperando para ser aprovado o meu crédito e receber o passe desejado para levar aquelas mercadorias para casa...como será que as pessoas que não têm todas essas condições fazem para conseguir crédito? Mistério!!! Pois pelo que eu sei está todo mundo comprando adoidado...celular nem se fala!
E o que dizer dos que não pedem licença...e sem cerimônia entram e saem com a legitimidade da força e da astúcia?
Coisas que não se consegue explicar mas que vemos acontecer a cada instante. Quem de nós não sabe de algum caso de bandidos disfarçados de gente de bem que burlam na maior astúcia os sistemas mais sofisticados de segurança e de proteção de crédito e dão golpes que vão desde os mais simples aos mais mirabolantes?
De volta à realidade.
Após idas e vindas, perguntas e respostas, consigo sair do impasse e deixo para trás naquela parede de vidro espelhada a imagem exultante de quem venceu uma guerra rumo ao mundo encantado do consumismo...
Enfim, dos males o menor. Ufa! Compras, finalmente, aqui vamos nós...