A SAPOTI DAS LETRAS

    
    
Para mim, o melhor momento de escrever sobre uma obra literária, caso seja ela contemporânea, ocorre antes de conhecer-lhe o autor pessoalmente. Se de outra época ele o é, melhor ignorar-lhe a biografia até que, só pelo que ele escreveu me venham as ideias mais puras, influenciadas apenas por impressões obtidas no contato íntimo e exclusivo com a obra dele.

     Se eu conhecesse Ângela Gurgel além das fronteiras das linhas que ela escreve, talvez muito dela soubesse e pouco delimitasse no liame que há entre autora e obra, sendo esta o que interessa, em primeiro plano, ao leitor. Este, quando atento, faz o inverso percurso da leitura de um texto a remetê-lo à biografia de quem o escreveu. E aí sim, em tempo, descobre a pessoa autora.

      Não se pode delimitar, sem correr risco, a obra de uma autora que, explorando variado estilo em prosa e verso, escreve bem. Se lhe dissesse cronista, talvez a limitasse à efemeridade do despretensioso texto que do hoje escreve para o amanhã esquecê-lo. Embora eu saiba que uma boa crônica traz consigo a perenidade cronológica a leitores futuros. Se lhe chamasse contista, mais que “minimalista” (palavra que me é detestável e ao conto é pejorativa), ainda assim faria por menos, embora que nobre seja o conto enquanto na prosa é espécie do gênero. Poeta, por fim, lhe teria. E aí nesse estado que dos demais depende, completar-se-ia o conceito, não a definição. Uma delimitada qualificação para quem a habilidade em escrever não aceita rótulos.

     Ângela discorre num texto a fluidez de um tema cujas frases sintetizam  idéias apoiadas em apropriados vocábulos. Uma idéia original se reveste de palavra única, por si insubstituível. E é isso que distingue o escritor de um mero escrevedor. O primeiro sabe do seu ofício e desempenha-lhe digno papel de defensor absoluto do pensamento, intemerato das idéias; o segundo se confunde na cartilha das letras, desorganizando palavras, deformando pensamentos quando estes se voltam unicamente para si e suas vaidades.

     A prosa e o verso dizem mais que o gênero em sua espécie quando Ângela se lança seja como cronista, contista ou poeta. Para cada estilo há um traço característico do que lhe é inato: o talento. Lê-la é saborear delícias líricas que a ficção traz à realidade em doce e apurado estilo. Ainda que às vezes triste, pelos embates da vida, mas sem perder o brilho, o encanto e a doçura que tem a arte da palavra. Arte em que outra Ângela brilhou cantando. E por ser doce a voz é Sapoti do canto. E esta Ângela Gurgel que em prosa e verso gorjeia, é a Sapoti das letras. Letras com as quais ela se resume numa frase:
" Sou o que me permito construir."

Hermílio Pinheiro de Macedo Filho
Brasília-DF, 5 de setembro de 2010


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Não conhecia Ângela Maria, tampouco o repertório dela. Vi-a assistindo a um show no Teatro Nacional, já  sem a inigualável voz que a consagrou. Mesmo assim osquestra e público a receberam de pé.  Como se recebe uma rainha.




LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 05/09/2010
Reeditado em 08/09/2010
Código do texto: T2480013
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