A LEITURA DOS QUE SABEM LER (A Leitura Competente Faz Parte da Luta pela Dignidade Humana)
domingo, 5 de setembro de 2010
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Em minha devoção matinal às letras, li, com afinco, a entrevista da Revista Língua Portuguesa, nº 53, na qual André Garcia, o criador do portal Estante Virtual, quando disse sabiamente:
— “Qualquer leitura não é leitura” e continuou: (...) “Mas leitura é subjetividade, é ver o que agrada à sensibilidade e se ajusta à sua forma de ser, ao seu momento. A escola nunca me deu esse espaço e duvido que, salvo exceção, garanta isso a muito aluno.” (...) “Não basta democratizar a leitura. É preciso democratizar os autores de qualidade.” (...) “A internet atrapalha, de fato, quando a ênfase da leitura é nos simulacros de interação, como Facebook, MSN, Twitter.” (...) “Damos um sinal errado ao aluno ou filho quando o fazemos ler só para fazer prova”.
Por isso, digo que a escrupulosa Leitura é uma arte perdida. Por exemplo: Eu estava lendo, para a classe, o texto: “Por que Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon" de José Cândido; só uns poucos prestavam atenção à minha leitura, ali, eu destacava as expressões: "Curralzinho", "dobrados da banda", "arregaçou as mangas", "comeram biscoitinhos", "caiu de enxada", "o povo de boca aberta", "no pau da enxada", "de brocha na mão", "lambuzada de cal", "o vai ou racha", "trepado no coreto", "curralzinho já gozava", "uma picareta só", "precioso líquido", "correr o pires", etc. Eu estava empolgado em minha sistemática e profunda reflexão, desvendando a “sacanagem” existente no substrato das construções frasais dessa literatura. Queria que eles percebessem, mas um deles, o crente, interrompeu-me e disse:
—“Não estou vendo nada disso, sacanagem alguma, é uma história séria”. — Fiquei como quem recebeu um balde d'água fria na cabeça.
Então lhe perguntei sarcasticamente: — desde quando em um relatório político tem algo “sério”? Agora o chamei para leitura de mundo, quem sabia, talvez, uma leitura pudesse ajudar a outra!
Existe a inescrupulosa leitura, aquela que se faz objetivando uma prova, essa sim é imoral; porque a verdadeira exploração, do texto, pela leitura é negligenciada; por isso, milita-se no senso comum e o prazer de ler é lamentavelmente atrofiado. E "sem prazer não existe felicidade" (Epicuro). Precisamos de tempos regulares para calma e profunda análise de textos elevados.
A leitura sistemática deve ser parte de nossas primeiras horas do dia. Podemos levantar 15 minutos mais cedo, e isso poderá fazer toda a diferença em nosso dia. Ler bem não é ler muito, é pensar seriamente a respeito do tema, sobre as relações e inferências do exposto, sobre os compromissos do leitor, verossimilhança do conteúdo. Se me perguntasse em que base creio nas lições ressaltadas no texto que acabara de ler, falava da coerência, da coesão e da polissemia, da empregabilidade dos conteúdos no meu cotidiano.
É mais fácil está sempre disperso nos movimentos da vida, panorama do mundo, do que concentrado em uma leitura, partindo de um foco específico, isso é interior para o exterior; do micro para o macro e/ou do macro para o micro.
Concordamos com John Lennon: "A ignorância é uma espécie de bênção. Se você não sabe, não existe dor." Por outro lado, o saber nos faz desejar a viver. Longe do medo e da ignorância que só nos entorpece.