Diário de uma loucura
Carta de Victória Bennetis
Aquele era seu mundo. O mundo em que vivia, nostálgico, triste. E nele divertia-se, à sua maneira. Forma estranha de se viver. Não acha? Um mundo de ventos secos, frios, sem luz, sem sol. Um mundo inteiramente de muitos, que transitam por aí. Aliás, de quase todos. Um bando de individualistas, só que eu assumo, não me limito, dou a cara à tapa. Se existissem mais de mim por aí o mundo seria melhor, com toda a certeza.
Não pensava em ninguém, nem em sua mãe, seu filho, nada. Não pensava em si própria. Em si e em seus remédios, todos com tarja negra, excitantes, tomados diariamente. Era tudo aquilo e pronto, e só. O que interessava era sua egoísta existência própria. Nada de plurais, de envoltos. Lixem-se, um por um. Mundo porco, mundo insano. Mesmo mundo de todos, um aglomerado verdejante hipócrita, de gente hipócrita.
Ó! Mera ilusão tudo o isso. Nada é tão belo quanto parece. Vida de inverdades contínuas, de loucuras, de drogas, de prostituição. Que beleza tem em tudo isso? As paisagens físicas apenas alimentam a imaginação dos poetas. Não. Nem mesmo dos poetas, eles que vivem e respiram e se alimentam da tristeza. Eles que versejam, que transitam por aí, ar benevolente, em bares e becos. Parem com tudo isso, e já. Não me venham com meias verdades, dizer-me que está tudo bem. Não, não e pronto. Muita gente sofre por aí, e é nisso que penso. Pessoas passam fome, esmolam, não lêem, não falam. Marido que espanca mulher, espanca o filho. Pai que mata, filho que mata o pai. E isso é belo? E o Cristo Redentor? E as belezas naturais? E os magníficos estádios de futebol? Santa ilusão.
Enquanto eu, Victória Bennetis, continuar louca, serei feliz, em meio a tanta porcalha. O mundo, ao menos pra mim, não existirá. Viverei a minha maneira.