DIA DE CIRURGIA
Quem acha que nunca será operado? Pois é, eu achava isso, e fui. Bom, considerando que não havia muita escolha, optei por registrar os fatos mais marcantes desse momento único da minha vida.
Não detalharei todos os fatos desde a descoberta dessa tal “hérnia inguinal” até a véspera da cirurgia, pois foram meses no aguardo de consultas e realização de exames preparatórios. Também não descreverei a ansiedade vivida a cada dia que faltava para a chegada do grande momento: a cirurgia. Vou começar a contar a partir da hora em que tive que me vestir com aquela roupa engraçada para caminhar em direção à faca.
Bom, após estar devidamente vestido, avental azul, touca e proteção nos pés, aguardei por um momento na sala de espera com outros “smurfs” que também seriam operados. Chegou a minha vez, deitei numa maca cheia de refletores apontados para o meu corpo (ainda desligados), e uma enfermeira veio iniciar os preparativos, levantando meu avental e depilando parte dos meus pelos pubianos. Durante a depilação, num mini-diálogo que estabelecemos para tirar um pouco a tensão, lembro que ela comentou que, depois que começou com aquele trabalho, há sete anos, o marido dela disse que ela ficou mais fria. Dei uma risada e comentei: “- é, a relação com o corpo deve mudar um pouco”. Também, imagine só, ver uns três ou quatro pênis por dia! Credo! Praticamente ao mesmo tempo em que a depilação terminava, um outro rapaz disse que daria uma picada no meu braço e assim o fez. Conectou um soro e injetou com uma seringa algum líquido que me fez apagar em segundos.
Quando acordei, estava numa outra sala, com um pouco de dor do lado esquerdo na parte inferior da barriga, o que me fez lembrar um trecho daquela lenda urbana, onde: “acordará dentro de uma banheira cheia de gelo sem os rins”. Pedi um remédio e a dor foi aliviada. Logo em seguida, me levaram para o quarto com uma maca de rodinhas....o motorista era bem ruim, acho que ele bateu em todos os obstáculos possíveis, me senti num rali! Bateu na quina das curvas do corredor, rampas, elevador...ele bateu em tudo! Quando cheguei no quarto, a hora mais dolorosa: passar para a cama! Apesar da ajuda do “motorista” da maca, um ogro, fui praticamente jogado de um lugar para o outro, até porque não estava sentindo as minhas pernas...aquela anestesia de grávida sabe?
Percebi que estava acompanhado de dois pós-operados: o Mauro (mecânico, cerca de 55 anos), do meu lado esquerdo, e o Carlos (cobrador de ônibus, uns 58 anos), do meu lado direito, e a minha cama era a do meio. Chegou o horário de visita, minha mãe apareceu, conversamos e, depois da saída de todas os visitantes, começaria o longo período de internação que duraria até o dia seguinte. O Mauro, um dos companheiros de quarto, era muito engraçado no seu jeito de ser, estava operando a hérnia esquerda, depois de já ter operado a direita. Eu me segurava para não dar risada, pois o riso fazia o local da cirurgia doer muito. O outro companheiro, o Carlos, mais reservado e menos desbocado que o Mauro, havia operado de uma hérnia umbilical e da fimose. O local da hérnia do Carlos era mais confortável para se movimentar, pois não estavam em local de articulação do corpo, ao contrário do meu caso e do caso do Mauro. Isso fez com que ele fosse o primeiro a se levantar e ir ao banheiro. O Mauro também conseguiu rapidamente, apesar dos gemidos engraçados, que eu não podia rir. E eu ali parado, deitado de barriga pra cima, parecendo uma estátua, só mexendo os olhos para um lado e para o outro, até porque minhas pernas ainda estavam anestesiadas. Não sei se esse é o momento, mas gostaria de registrar o como é engraçado soltar pum anestesiado, sensação indiscritível! Você sente o pum sento formado e depois sua saída, sem perceber todo o percurso, não dá nem pra segurar!
Depois, recebemos uma sopa muito boa, com suco e gelatina, devorei tudo ferozmente, estava com muita fome! Então começa a noite, eu não tinha ido ao banheiro ainda mas sabia que minha hora chegaria, mais cedo ou mais tarde. Então descobri que existia um equipamento chamado “papagaio”, parece um cruzamento de um penico com uma chaleira, onde colocamos o pipi dentro desse bico de chaleira (ah, papagaio tem bico também, ta explicado!) e fazemos nosso xixi. Depois temos que chamar a enfermeira, através de um botão, para que ela jogue o xixi no vaso sanitário. Vou te falar, enchi uns dez ou doze papagaios daquele durante minha estadia. No meio da madruga me arrisquei a ir até o banheiro caminhando. Quase que desmaio, todos estavam dormindo, minha pressão baixou por causa da forte dor, mas cumpri com a missão! Uma vitória pessoal! Quando meus colegas acordaram eu contei pra eles todo entusiasmado e ficaram muito felizes. Sei que escrever isso parece ridículo, mas na hora foi realmente uma superação!
Ah, quase ia me esquecendo. Tivemos uma enfermeira carrasco, muito má! Num certo momento em que levava o papagaio com a minha urina para esvaziar, ela resmungou dizendo que eu tinha que andar para melhorar, mas retruquei que estava doendo muito e não ia sair da cama! Ela tocou no meu pé tentando jogá-lo para fora do colchão, enquanto dizia: “- primeiro sai o pé e depois o resto.” Falei pra ela parar, um pouco mais imponente, porque doía. Ainda bem que ela parou! Quando ela se virou de costas, eu e meu amigo Mauro mostramos o dedo do meio pra ela! Que folgada!
Bom, com o passar das horas, aliás, longas horas, as emoções chegavam ao fim, virava rotina: papagaio, antibiótico, sobe cama, desce cama, come, dorme, papo-furado, liga TV, desliga TV, chama enfermeira, liga pros pais, pra namorada, troca mensagens pelo celular etc.
No dia seguinte, logo cedo, o médico veio e nos deu alta. Eu estava todo dolorido, não imaginava como ia sair dali. Liguei para meus pais e eles chegaram rapidamente para me “resgatar”. Levantei com dores e descobrimos que o elevador estava em manutenção, onde tive que descer um andar pelas escadas...haja fôlego! Entrei no carro e cheguei em casa. Cá estou escrevendo depois de quatro dias em repouso...
Bandana
(03/09/2010)