ENTREVISTA DE EMPREGO

- Muito bem, seu Demerval, o senhor veio para qual vaga mesmo?

- Lavrador.

- Certo, certo… E quais são as suas habilidades?

- Ah, sei capinar, rastelar, usar a foice… deixa ver… Lido bem com o

arado…

- Hum… entendo. Trouxe seu currículo?

- Cu… O quê?

- … rrículo.

- Olha, acho que não tá na época de plantar esse trem aí não.

- Não, meu senhor, currículo é um papel com sua formação, experiências, cursos, prêmios, aptidões, etc.

- Ah, sim, entendi. Não, não trouxe não, mas se tiver uma enxada aí eu mostro.

- Enxada? Não, a prova prática é somente na segunda etapa.

- Segunda etapa? Tipo estação do ano?

- Não, não é isso não. Mas não se preocupe, é só para o caso do senhor passar na entrevista.

- Ah tá.

- O senhor se formou em qual faculdade?

- Não me formei não, senhora.

- Não? Alguma escola técnica?

- Não.

- Segundo grau?

- Uns quinze.

- Quinze? Como assim, quinze?

- Quinze primos de segundo grau, ora. A família é grande, sabe?

- Estou falando de escola, seu Demerval.

- Hum… Não, lá na roça não tinha disso aí não.

- Então o senhor estudou até que idade?

- Nunca estudei não, mas sei plantar tomate, alface, cebola…

- Mas conhecimento é básico para se almejar uma vaga, senhor.

- É? Bom, planto cana-de-açúcar também… e feijão…

- Tá bom, tá bom, já entendi. Fala alguma língua estrangeira?

- Pois se eu nem estudo tenho.

- Ah, é verdade. Isso vai dificultar as suas condições, já que é desejável que o candidato fale mais de uma língua.

- Olha, se servir de alguma coisa, tenho um bom entendimento com cavalos. Praticamente falamos a mesma língua, hehe.

- O senhor está achando isso engraçado?

- Não, desculpa, foi só uma piadinha.

- Tem algum curso?

- Bom, conheço bem o curso do Rio Taquara, do Igapó e do Rio das Pedras. Precisa mais?

- Ai, ai! Falemos então de suas experiências profissionais. Trabalhou em alguma multinacional?

- É… Cuma? Multi o quê?

- Alguma empresa de renome, alguma empresa conhecida?

- Ah, sim, trabalhei anos no Sítio do Zé Lourenço. Ele já foi até vereador lá da minha cidade.

- Última chance: algum prêmio?

- Sim, desse eu tenho um. Ganhamos, na feira agropecuária, o prêmio pela porca mais formosa. O nome dela era Amália, uma graça!

- Olha, seu Demerval, acho que é o suficiente. Quando tivermos alguma novidade, entramos em contato com o senhor.

- Ora, muito agradecido. Quando será a prova prática mesmo?

- Entramos em contato por telefone, se for o caso.

- Telefone? Ah, mas lá na roça não tem não. Vai ter que mandar alguém avisar. E melhor mandar a cavalo, porque as estradas devem tá uma barreira danada.

- Certo, eu mando. Passar bem, seu Demerval!

- Passar bem!

- Ah, seu Demerval, antes que o senhor se vá, me tire uma dúvida: por que o senhor largou o sítio em que trabalhava?

- Na verdade eu perdi o emprego. Botaram um rapazinho lá no meu lugar. Ele até que é bonzinho, sabe, mas não entende nada de lavoura.

- E por que o colocaram em seu lugar, então?

- Bom, ele é engenheiro, daí não dá pra competir, né? Ele foi pra lá porque não conseguiu emprego na cidade grande. A coisa tá brava, menina. E isso que ele deve falar umas cinco línguas, veja você. Agora, mesmo assim, garanto que ele não se entende com os cavalos como eu, hehe… Sou fluente nesse linguajar. Nível avançado.

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