Desejo de Metamorfose

“Certa manhã acordei de sonhos intranqüilos” (que Kafka me perdoe) e quis realmente ter me transformado em uma barata. Não uma barata gigante, simplesmente uma barata. Tava calor demais, minha mente estava perturbada demais e minhas perspectivas não eram das mais animadoras. Realmente me deu vontade de me esconder em cantos úmidos para fugir desse clima infernal que só tende a piorar e que não seria tão grave se fossemos todos baratas.

As baratas também não são compelidas a viver em uma rede de hipocrisia voluntária que chamamos do belo nome de “sociedade”. Baratas não precisam fingir, não precisam entrar em nenhum padrão para agradar ninguém, baratas não discriminam umas às outras. Todas são marrons. Todos os cascos são grandes e nojentos. Mesmo se as baratas pudessem falar, com certeza não se sentiriam umas superiores às outras (talvez aquela que plana no ar poderia se vangloriar de algo, mas nada comparado à capacidade arrogante do ser humano).

A insegurança de ser uma barata poderia ser um contra argumento válido quanto à minha vontade, mas, pensando bem, qual a diferença? A diferença é contra o que lutar. As baratas, quando sentem a necessidade de passar por um lugar considerado perigoso, precisam temer seres milhares de vezes maiores, potentes inseticidas e etc. Mas elas possuem a vantagem de serem temidas por alguns, então mesmo em uma posição desfavorável, a chance de sobrevivência pode ser maior. Nós, seres dito humanos, não saímos mais de casa com medo não de seres maiores que a gente, mas sim de semelhantes. A indiferença e a desigualdade fizeram com que o homem realmente fosse o lobo do homem (ponto pra Hobbes), com a desvantagem de não sermos menores e mais ágeis que os ladrões, estupradores e assassinos. E acredite, nenhum deles tem medo de você.

Isso sem contar que você pode viver sem pensar, apenas seguindo seus instintos e desejos sem ninguém se aproveitar disso para te manipular. Qualquer homem hoje que viva seguindo seus instintos e desejos é massa de manobra, apenas um fantoche da rede de informações desencontradas que se tornou o mundo moderno. As baratas não são comandadas por grandes corporações, as baratas não precisam se organizar e fazer greves e revoluções para tentar mudar alguma coisa.

Acredite, eu, sendo uma barata, seria muito mais feliz e menos angustiado. Não consigo conceber ser mais repugnante que o ser humano.

Diego Biagi
Enviado por Diego Biagi em 02/09/2010
Código do texto: T2475214
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