O Comedor de Vírgulas
Eu adoro vírgulas.
Isso mesmo. Uso-as em demasia, e até quando não é necessário usá-las. Quando criança, na escola, eu as comia, quer dizer: eu não, meu cérebro as comia. Ele as levava para o estômago, penso eu, a fim de substituir o alimento que não havia para aquele POBRE MENINO POBRE.
Não conseguia entender as reclamações do professor Lisboa e me perguntava: “Para que colocar essa ou aquela vírgula?” Resultado: zero na prova de português. Tudo por causa das benditas vírgulas. Ele poderia até entender minha vontade de saber, pois isso era notório; mas, não sabia, é claro, que, além da fome de saber, eu tinha mesmo era “fome de comer”.
Como eu poderia entender tudo aquilo se, na minha cabeça naqueles momentos, mais importante que usar tais regras, na verdade, era entender o porquê de não entendê-las. Como poderia ter alimentado meu “eu” com tais regras se, naqueles momentos, meu cérebro tinha fome de proteínas para desenvolver-se?
Até hoje, esta é a maior carência da maioria dos jovens brasileiros: na idade em que o desenvolvimento intelectual exige alimentação, no mínimo, básica. “Fome de saber” não supera a “Fome de comer.”
Hoje, uso as vírgulas do modo que eu quero e quando quero, ainda que quebre regra. Uso-as como se fossem para marcar o compasso musical, dando sentido único ao texto que escrevo, como se quisesse vigar-me de todos os zeros que recebi do professor Lisboa e saciar a fome que, quando criança, passei.
Regras? Existem, também, para ser quebradas e eu as quebrei. Não sei se pela fome de saber ou pela fome de comer, pois foi assim que aprendi a sobreviver e sobrevivo.
Ainda bem.
Ufa!