MÚMIA EGIPCIA

O tio Lineu era meio doidão, fazia umas coisas sem pé nem cabeça, deixando todo mundo amalucado. Alguns o achavam ruim das idéias, outros riam, dizendo “-Que nada, o Lineu é boa praça, só meio destrambelhado” e assim por diante.

No trabalho era duro na queda, perfeccionista, não admitia falha nenhuma, dava a maior bronca na rapaziada que labutava sob a sua supervisão no escritório da fábrica de tecidos. Não era à toa que chegara ao posto de segundo homem na hierarquia do escritório, depois do contador, “Seu” Alberto. O Lineu era o “Caixa”.

Num domingo ele foi visitar uns parentes na Floresta, bairro tradicional de Belô. Tinha avisado na véspera, iria almoçar com eles, botar a prosa em dia, contar “causos”, tomar uns aperitivos, essas coisas. Chegou lá pelas onze horas, estacionou seu velho “Fusca” defronte à casa espaçosa e adentrou o recinto. Veio a Márcia, sua sobrinha, dona da casa, recebeu-o com alegria, seu marido Amauri e as filhas pequeninas, Cecília de três anos e Cristina de dois. Inquieto como sempre, Lineu pôs-se a brincar com as garotinhas no quintal, na sombra de uma velha mangueira. O Amauri chegou com uma garrafa de pinga da roça, lá das bandas de Cachoeira, terra deles, e deram algumas bicadinhas de leve. Daí a instantes, o Lineu virou e disse:-

“- Primo, diz à Márcia que eu vou dar uma voltinha com a Cecília no meu carro. Não vou demorar.” – E saiu com a garotinha de mãos dadas.

O tempo passou, o almoço foi servido, todos à mesa e ... nada do Lineu e da Cecília. Dona Márcia foi ficando cada vez mais nervosa, empalidecendo, suando frio, num desconforto total. Não se conteve e gritou:-

“- Amauri, pelo amor de Deus! Onde andará o tio Lineu com a Cecília? Já são quase duas horas da tarde, o tempo virou, choveu bastante e eles até agora? ...”

Ocorre que o Lineu tinha ido com a sobrinha Cecília passear de carro, dando uma volta no “Fusca” em torno da Lagoa da Pampulha. Parou numa praça pra tomarem sorvete, o tempo fechou e caiu um toró daqueles. O Lineu emburacou com a menina pra dentro da sorveteria, consultou o relógio, examinou o tempo, a chuva tinha virado garoa fina e ele não teve dúvidas:- arranjou umas folhas de jornais velhos, botou a menininha deitada num banco, braços rentes ao corpo, enrolou-a da cabeça aos pés com os jornais, deixando só seu rosto e a boca livres, passou-lhe uma fita crepe pelo corpo todo e carregou a garotinha pra dentro do “Fusca” como se fosse uma múmia egípcia. Deitou-a no banco traseiro, quietinha e saiu acelerado pra casa dos sobrinhos na Floresta.

Ao chegar a frente da casa estava apinhada de gente. Ele desce do carro, vem carregando aquele “pacote” embrulhado em jornal e fita crepe e diz, com a maior naturalidade:-

“- Tava chovendo e eu fiquei com medo dela pegar um resfriado, gente! ...” – a turma, aliviada, caiu na gargalhada, inclusive a Cecília, de pé junto aos pais e toda enfaixada como se fosse múmia, tendo livres apenas os olhos e a carinha redonda de boneca.

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B.Hte., 31/08/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 01/09/2010
Reeditado em 01/09/2010
Código do texto: T2472527
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