A revelação - BVIW
Costumamos enxergar apenas o que queremos e podemos ver. A nossa atenção comumente é capturada pelo que está aparente. O conhecido atrai o foco do nosso olhar e nos faz perder a possibilidade de vagar livremente pelos espaços menos óbvios, pelas frestas das palavras, pelas entrelinhas dos gestos e comportamentos. O olhar enquadrado pelos limites da nossa capacidade de perceber é também uma defesa para o que não conseguimos confrontar em nós mesmos.
Então, somos tomados de surpresa quando se abre a bela e frágil caixa de presente adornada com delicadas flores, com a força do fogo que traz em seu interior. Foi assim que a pequena e moralista comunidade se confrontou com o lado escondido daquela jovem meiga, doce e recatada que vivia sob o jugo do pai autoritário e repressor, juiz muito conceituado na cidade.
Diante da casa paroquial, aos gritos e arrancando as vestes uma a uma, ela exigia do padre que concluísse o que havia começado. Transtornada pelo fogo da paixão que a consumia, falando palavras de baixo calão, em nada se parecia com a moça que até então exibia as mais belas e formosas flores do comportamento. A sexualidade até ali reprimida irrompeu descontroladamente como fogo avassalador e revelou a sombra: a sua e a da cidade.