Escrevo-te
Escrevo-te pela milésima quinta vez, com a mesma necessidade de buscar um resquício de verdade em tudo que vivemos. De encontrar alguma desculpa plausível, de alguma justificativa. Porque és bonito e seu azul quando me olha no olho, derrete-te de qualquer término. Porque gosta de samba e sabe de vinho, porque entende de política e para só para ouvir o que tenho para dizer. Porque o beijo é doce e a mão safada, porque na sua calma és capaz de me dilacerar no ato, de tanta necessidade de achar o profundo que eu escondo por dentro. Lambe-me – encontra-me – diz tudo que eu queria ouvir, e eu sorrio com a inocência de uma criança acreditando que felizmente o que vivo é real – mas em tempos descubro que a ilusão sempre tem hora para acabar. Sonhei muito durante estes teus tempos de silêncio, formatei vários finais para o nosso enredo, tive um conto, um drama e até mesmo a crônica passou entre minha literatura. Queria apenas que fossemos menos descartáveis. O que vivemos não valeria apenas a futilidade de sentimentos das pessoas se encontram e se prendem na velocidade da luz.
Mas meu coração vagabundo - quer guardar o mundo em mim e por isso sempre deseja mais, deseja o cotidiano, o corpo clama o suar e a vontade inunda qualquer rima que eu possa imaginar. Ele quer o inventado, o final feliz, as mentiras sinceras realmente o interessam... Mas eu ando cansando de tamanha delonga, de explicações para continuar, para ver os mesmos olhos azuis e sentir uma inundação egoista de um corpo carente. Mas como dizia Caio, “apenas me ferem muito esses teus silêncios”... e penso pela milésima quinta vez quanto unilateral é nossa relação e quanto eu ainda o desejo.