Quem Sou Eu?
Cá estou. Eu e o nada. Eu e a ausência daquilo que não foi. A minha companhia dos dias são as dúvidas e as perguntas sem respostas. A minha companhia da noite é a insônia me fazendo colocar a cabeça no olho do furacão buscando algo que eu não sei ao certo o que é. Acendo fogueiras e observo as chamas dançando, lambendo o ar, consumindo-o prazerosamente. Quando o prazer acaba eu caminho descalço na brasa. Os demônios, as putas mortas, a porra ressequida, as almas perdidas, a negação de Caronte. Tudo vaga na minha mente. Tudo é jogado de um lado para o outro pela força do vácuo que foi deixado com a abnegação de sentimentos que são difíceis de brotar e que os outros insistem em sapatear em cima. Não sinto dor, nem pena, nem ódio, nem amor. Não sinto nada. Sinto a asa da xícara nos meus dedos, sinto o calor da xícara nas costas dos dedos. Sinto o cheiro do café, o cheiro do perfume que impregna a minha flanela. Sinto o cheiro do limbo, sinto as esquinas se afastando, sinto o chão deixando de ser chão, sinto os Cosmos me abandonando, sinto a hostilidade no chilrear dos pássaros, sinto o mundo, sinto a translação, sinto o ar imundo, sinto saudades de quando era imberbe e utopia era algo concreto quando eu repousava a cabeça no travesseiro. Parece não haver nada no mundo que me tire desse embotamento. Não há sinfonia, sorrisos, dissabores. Nem promessas, esperanças, desgraças. Só há o nada em sua completude, em sua esfera que me circunda, seu domo que me protege e me fortalece. Me fortalece na languidez do vazio necessário, reciclável. Quero manter o nada, me manter no nada. Quero distância da atenção demasiada, dos holofotes do altruísmo. Distância da falsidade, distância da sinceridade, distância de tudo aquilo que jogam nas minhas costas sem eu pedir ou autorizar ou precisar. Nada de seios macios, perfumes doces, lábios brilhantes e melosos. Nada de negrume nos olhos, de promessas não-ditas, de eu-te-quero-mais-que-tudo. Nada de nada, e tudo do nada. O nada inerente à descoberta de um novo EU, um EU melhor, talvez, um EU que esteja pronto para enfrentar seu próprio poder, um EU que saiba lidar com a alma que habita seu corpo, um EU que não sou e que eu procuro ser. Esse sou eu, agora. Dia primeiro de setembro de dois mil e dez, às duas e vinte oito da manhã. Endividado, de cueca, com uma xícara de capuccino na metade, com CINCO MIL leituras em nove meses de Recanto das Letras e sem ter a menor idéia do que o futuro me reserva - assim que tem que ser. Ou não?