Negócios produtivos - Capítulo 4
Capítulo 4 – Negócios produtivos
Entre as minhas novas escolhas estava a decisão de mostrar ao mundo a mentira que permeava dentro da organização das Testemunhas de Jeová e mudar a minha vida financeira, aumentando a renda mesmo que de maneira ilícita.
Nas visitas que costumava fazer à Taquara, pequeno bairro de Duque de Caxias, conheci pessoalmente uma mulher que havia conhecido nas chamadas salas de bate papo, muito comuns na época, Ana, seu nome inspirava meus desejos mais sacanas como já cantava Humberto, dos Engenheiros. Lábios carnudos e um olhar penetrante, encarava-me com latente desejo, disfarçado pela simplicidade com que articulava cada sílaba pronunciada. A única coisa que conseguia pensar sempre que a mantinha sob minha circunspecta e apaixonada observação era em como faria para possuí-la.
Até o momento que ela me trouxe o conhecimento de uma fonte de renda extra-secular bem promissora. Um de seus vários namorados ou ‘ficantes’, talvez fossem considerados por ela como amante, mas, não importa, além de ser um nerd, era um especialista no mundo eletrônico. Ele andava experimentando um sistema de cartões de crédito criado pelo próprio, mas precisava de outra pessoa como cúmplice para que tudo ocorresse conforme o esperado.
Consistia em cartões de crédito legítimos no nome de pessoas, reais, na mão de terceiros, supostamente, nós, que teriamos um limite alto, mas não a ponto de levantar suspeitas. Usava, além dos cartões, identidades falsas e uma série de equipamentos demasiado técnicos para serem mencionados aqui. Apenas faltava a certeza de um resultado consistente. Foi nesse estágio da operação que eu entrei.
Entrei em uma grande loja de eletroeletrônicos e pedi para observar os aparelhos de celular. Diante de todo o brilho de tantos aparelhos, senti-me motivado a escolher um antes que alguma coisa desse errado. Escolhi o Motorola C 210, a sensação azul do momento. “Vai pagar como senhor?”. No que respondi que seria no cartão de débito. “Senhor Raimundo Nonato dos Santos?”. Confirmei apresentando a identidade falsa que tinha recebido previamente do nerd. Sinceramente ainda duvidava que pudesse dar certo, mas não tinha porque não tentar. Assim, fui ao centro do Rio de Janeiro, para despistar qualquer suspeita que recaísse sobre nós, decidido a comprar algo com aquele cartão.
“A compra já foi aprovada, é só passar no balcão e retirar sua mercadoria, obrigado pela preferência e parabéns pela ótima aquisição.” “Aprovada?”, perguntei assustado, sem conseguir disfarçar a surpresa. Ela repetiu o clichê bem decorado de técnicas neurolinguísticas de vendas e se apressou em atender outro cliente. “Tenha um ótimo dia, senhor Raimundo”. Nunca me chamei Raimundo, mas certamente teria ótimos dias a frente.
Fiz a mesma coisa em seis lojas diferentes só naquela tarde. E, durante o restante da semana, percorri quase todo o Rio de Janeiro comprando e gastando. No sábado encontrei-me com Ana, a garota do bate papo, que me levou até o cérebro da operação.
“Pelo jeito, você gostou do negócio!” – perguntou. Como fora Ana quem me dera o cartão, a identidade e passado as instruções, ainda não havia conhecido o fornecedor. Havia imaginado um homem branco, mas não como aquele. Levava-me a crer que nunca havia entrado em contato com o sol. Seus óculos de lentes grossas estavam sujos e pareciam pesar sob o nariz avantajado. Arrastava suas orelhas de abano mais para baixo. Não aparentava ser dos mais inocentes, mas não parecia ter coragem de enfrentar lojistas em um processo de compra com os cartões que ele próprio produzia. Confiando que estivesse certo, coloquei-me diante dele com o semblante de quem já está há muito acostumado com estelionato e coisas piores. Pensei comigo mesmo, nós nos completamos, já que nem tenho idéia de como esses cartões são criados e, em contrapartida, ele vai precisar de alguém para gastar por ele, contando que lhe falte coragem.
“Roupas novas” – continuou – “Celular, até os sapatos.”
“Dá por gasto.” – Tentei disfarçar minha ansiedade. “Tem como usar outros nomes?”
“Sempre tem, mas é arriscado.” Enquanto ele respondia, fiquei me perguntando como ele sabia que eu estava de sapatos novos, mas decidi que seria melhor para as negociações se eu não perguntasse.
Ana se intrometeu. “Mas então quer dizer que dá certo? Você comprou essas coisas com os cartões do Nick?”
Acenei com a cabeça. Estava concentrado em negociar com aquele que agora eu sabia se chamar Nick e a mulher estava no meu caminho. Naquele momento, perdi toda atração que sentia por ela.
“Isso é o máximo!” – Gritou Ana. – “Podemos ter tudo que quisermos, eu sabia que daria certo, eu sabia!” Estava começando a enjoar.
Ambos fitamos contestantes a enlouquecida mulher que disparava destroços de palavras para todos os lados como faria um avião que despenca sem a força de seus motores em um solo duro como concreto. Seus olhos, apesar de denotarem insanidade, ainda brilhavam com intenso desejo. Eu sabia exatamente o que pensava o nerd naquele momento só de encará-lo. Os oblíquos globos oculares por trás das enigmáticas lentes bifocais de aproximadamente 5 graus não puderam ocultar seus mais recônditos e intrínsecos pensamentos.
Ana, embora aparentasse ser fútil e devassa, era uma mulher muito inteligente e perspicaz, e, dessa forma, imediatamente notou algo estranho em nosso comportamento. Acalmando-se, perguntou:
“Tá legal, qual o problema?”
Adiantei-me ao quatro olhos: “Esses cartões são verdadeiros, certo?”
“Os cartões são de fato verdadeiros, mas as identidades são falsas. É como se essas pessoas tivessem pedido e outras recebessem. Nós” – Respondeu prestativo o nerd.
“E qual a falha de todo o esquema?” – Ponderei.
“Como assim?”
“Quando acaba?”
“Não acaba! É só termos sempre um lugar novo para mandá-los”
“Como assim?” - Em uníssono, eu e Ana.
“Tenho uma fonte que me dá acesso a toda a documentação dessas pessoas, são clientes em comum de uma determinada empresa. Eu uso a numeração, o nome e os demais dados fazendo o pedido à financeira ou banco que fornece o crédito. Altero o endereço e telefone.” – Falava de uma maneira afetada, desejando aparentar brilhantismo. Entretanto, havia entendido o que disse e me senti apto para concluir:
“Então, quando chega o cartão, você se passa pelo dono, confirma os dados e desbloqueia o cartão?”
“Em vista do aumento de crédito em nosso país, ficou muito fácil ter um cartão. As empresas de crédito acham maior vantagem em distribuir cartões mesmo que haja inadimplentes. Tendo um pedido, eles atendem imediatamente.”
“Você falou sobre endereço?” – Argüi.
“Sim. Esses cartões que você usou essa semana foram recebidos aqui em casa. A fatura virá dentro de um mês aproximadamente.”
“Você não pretende pagar?”
“Não, obviamente!”
“Seu nome será incluído no SPC e, com o passar do tempo, enviarão boletos e propostas para regularizar seu crédito?”
“Meu não, dos donos!”
“Certo, acompanha o raciocínio!” – Falei firme.
“Ah, sim.” – Meio sem graça.
“Tô ficando tonta!”
Fiz um som sibilante encostando as pontas dos dentes superiores nos inferiores unindo as sobrancelhas e fazendo um ar de desaprovação.
“Silêncio! Então o problema só começa quando o dono do crédito, que não sabe que é o dono do cartão, descobre que seu nome está sujo?”
“De fato.”
“Até lá, teremos tempo para sairmos daqui. Procuramos outro endereço. Outros dados e novas compras.”
“Não tinha pensado nisso. Ótima idéia!” – Agora, ele parecia menos prepotente, o que me animou muito.
“Tem mais quantos aí contigo?”
“Nenhum, mas devo ter uns trinta cadastros com dados completos de clientes de todo território nacional.”
“Qual o limite desse cartão aqui?” – Questionei enquanto tirava-o de minha carteira.
“R$ 3000”
“Ótimo, faremos o seguinte...”
Daquele momento em diante, passei a explicá-los toda a trama, pondo em prática uma das mais brilhantes idéias que já tive em toda minha vida. Venderíamos o que foi comprado com os cartões, usaríamos o dinheiro para alugar outro imóvel e, com esse novo endereço, requisitaríamos novos cartões para novas compras e, conseqüentemente, novas vendas. Dinheiro fácil.
E assim fizemos. Era fácil vender, pois cobrávamos a metade do preço de fábrica. Nenhum de nós era ganancioso, portanto, facilitava muito as coisas. Alugamos uma quitinete no centro de Santa Cruz da Serra, próximo de Xerém, em Duque de Caxias. Eu entrava nas lojas e observava por meia hora o comportamento dos clientes, enquanto fingia estar interessado em alguma mercadoria. Depois, discretamente, em particular, falava com um escolhido, de preferência alguém que parecesse querer economizar e demonstrasse insatisfação com os preços, que conseguiria a mesma mercadoria pela metade do preço. Levo a sério essa história de comportamento humano e, com essas experiências, pude concluir que o que mais queremos é levar vantagem. A intenção pode até nem ser a de prejudicar alguém, mas sim, de sair ganhando. Assim, o cliente terminava por escolher nossa mercadoria. Por vezes nem tínhamos ainda o objeto de seu desejo, mas nada nos impediria de obtê-lo. Repetia a operação diversas vezes por dia. Era meu emprego.
Ao final de um mês, o lucro era considerável. Embora tivéssemos gastos com aluguel, passagem, já que não poderíamos nos dar ao luxo de permanecer no mesmo bairro em que compramos as mercadorias com o intento de vendê-los, transporte de mercadorias e com alimentação, cada cartão rendia em média algo em torno de mil reais. O que gerou uma nova conversa entre nós.
“Já que eu consigo os dados e os cartões, quero ganhar mais.”
“Mas você é um nerdzinho de merda mesmo!” – Fingi revolta. – “Ainda é olho grande e covarde, pois não entrou em nenhuma loja pra fazer nada das operações de campo que ficam todas por minha conta.” Imaginei que meu argumento fosse irrefutável.
“Tá bom fodão. Vai lá e continua comprando e vê onde dá essa merda. Arruma mais cartões e mais limites e mais dados.”
Ana interviu. “Ele tem razão.”
“Quem?” – Perguntamos juntos.
“Ele.” – Falou, apontando para os dois.
“Porra, de quem você ta falando?” – Gritei.
“Vocês dependem um do outro. Um tem as técnicas necessárias para arrumar os cartões, enquanto o outro vai à caça, no operacional. Portanto, meninos, dêem as mãos e continuem juntos a roubar e a me presentear, pois estou amando essa vida de princesa.”
Um silêncio dominou o ambiente por uns dois minutos. Consertando meu semblante e reconhecendo que a disputa chegara ao seu final, tomei a iniciativa em romper a greve se som: “Eu continuo a comprar, usando as identidades e os cartões, você continua a arrumá-los. No final rachamos tudo, meio a meio.”
“Acho justo.” Concordou, para meu alívio.
“E eu?” – Perguntou Ana.
“Cada um tem que dar algo pra poder receber de volta”
“Eu sei bem o que ela vai dar” – Falei enquanto apertava suas corpulentas nádegas.
“Viado!”
“Como é mesmo seu nome, nerd?”
“Chama-me de Nick mesmo que fica tudo em casa, e você?”
“Antônio.”
Sacramentamos o fim da reunião de negócios apertando fortemente as mãos em símbolo de contrato fechado. Embora ainda não soubesse seu verdadeiro nome, e tivesse acabado de saber que ele também, até aquele momento, não sabia o meu, estávamos diante de um ambiente mais ameno e convidativo e sentíamos que era o início de uma grande amizade e de um próspero negócio.