A campainha

Então era eu ainda uma pirralha. Não pense que faz muito tempo, não! Só uns cinqüenta aninhos.

Falecendo meu pai Julio (Deus o tem!), meu irmão Wladyr (agora já Deus também o tem), minha mãe Julietta (Deus a tem) e eu (Deus... não! ainda não, pelo amor de Deus!), fomos morar na casa dos avós italianos (Deus os tem).

Era uma enorme casa. Pomar com horta anexa.

Muita gente. Onze tios, os avós e mais nós três.

Café da manhã, almoço e jantar eram uma verdadeira festa. Comprida mesa rodeada de tios por todos os lados.

Meu velho e autoritário avô Giuseppe (Deus o tem) não aturava desperdício. Acho que, só por desaforo e para exercitar a rebeldia de adolescente, o tio Olímpio (Deus o tem) lotava tanto e tanto o prato... que deixava metade. Sempre. Pelo menos até um certo dia, quando, ao nos levantarmos da mesa, solene, meu autoritário avô torceu o semi-bigode da direita e olhou o prato do Olímpio, semi-cheio; o prato, não o tio, já completamente cheio (diz-se: satisfeito) e torceu - o avô, não o tio - o semi-bigode da esquerda, olhando feio o rebelde perdulário.

– Você fica aí! Até comer tudo!

Achei muito bem feito e... calculo que, depois de duas horas de superlotação estomacal (de valente polenta, costelinhas de porco e alface), pode-se dizer que meu tio Olímpio passou a ser uma pessoa alimentada por comedimento .

Aos domingos, eu e toda a minha “companherada”, logo cedinho, sumíamos, cada uma portando possante pão feito em casa e bananas do quintal. Uma peneira ia junto. Estrada era longa e empoeirada, iam surgindo fazendas, com plantações de tomates, melões, melancias e milho verde. De tudo se surrupiava um pouco (o padre havia falado que o produto da terra era de todos...!), até se chegar num riozinho rumorejante, onde a peneira acabava sempre “caçando” alguns lambaris. Uma fogueira e pronto! A nossa refeição. Lambaris com anexas as tripas, lógico.

Lá pela quatro, o caminho de volta, que os horários eram rigidamente sagrados: às seis em ponto, todos à mesa.

Chegávamos, cobertos de poeira, ao portão da casa da minha avó Mathiede. E valia, como despedida, uma pequena travessura: tocava eu a campainha de botão preto e nós nos escondíamos.

Abria a porta lá em cima do terraço, a minha avó. Olhava à direita, à esquerda... nada. Não havia ninguém! Pacífica, ela voltava para dentro.

Depois de três minutos, novamente um malandro dedinho apertava o botão preto da campainha.

Risos abafados.

Ei-la de volta, a vó Mathiede.

Olhava à esquerda; à direita. Nada! Não havia ninguém. Pacífica, ela reentrava.

Depois da quarta apertada do botão preto, a coisa perdia o sabor, porque a pacífica vó iria continuar, pacificamente, olhando à esquerda, à direita e a voltar para dentro....

Cada uma da “quadrilha” para sua casa, entrava eu, sorrateira, por um dos dois longos corredores externos, até chegar ao terraço dos fundos.

Acho que minha vó fazia o mesmo caminho, por dentro da casa.

Até o terraço dos fundos, quando me dizia:

– Bambina birichina (lê-se biriquina), sei próprio um monte di polvere! Vada a pulirte; se lo fai presto, avrai tempo per suonare ancora per cinque volte il campanello!...

– !!??#@$$%%!...

Traduzindo: “ Menina peralta, você está mesmo um monte de poeira! Vá lavar-se; se o fizer depressa, lhe sobrará tempo para soar ainda por cinco vezes a campainha!...”

Daidy Peterlevitz
Enviado por Daidy Peterlevitz em 31/08/2010
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