ORDEM

Fecho o mes de agosto com chave de ouro, depois de ter entendido o significado progressista de “ordem”.

Abandonei a reação preconceituosa originada pela ignorância do sentido absoluto inserido no vocábulo referido.

Para aceitar que é tão mais agradável trabalhar em uma mesa limpa, onde cada coisa fica exposta e pode ser vista, o que não conseguia antes, pois tanto os papeis quanto os apetrechos deitavam-se uns sobre os outros.

Trabalhava minutos preciosos na busca por algum documento, pasta, ou a caneta que assinaria uma sentença ou um libelo ou assinaria a absolvição ou ainda a prédica necessária para tal.

Tantas voltas eu dei durante esse mais de meio século de vida. Fugi das hierarquias para não ouvir as ordens. Segui por solitária estrada e carreguei saco de pedras por desconhecer a importância de cada gema.

Ao balancear as contas atualmente, compreendi que não é o peso que dá valor, e por isso o cansado de meus ombros é o resultado também da desordem mental em que me condicionei viver.

A vida que tudo assistiu resolveu me auxiliar e num vento forte me devolveu à metrópole desumana da qual me exilei. E aqui novamente me colocou no carreiro, qual uma formiga, tão somente para cumprir a etapa que pulei.

Espernear sempre foi o que soube fazer melhor. Mas estando em caminho estreito espernear causa ferimentos e dor, por isso me contive. Andei no meu lugar, após uma infinidade de outros que seguem a mesma fila.

Tudo que era pesado demais eu abandonei. Liberei meus braços das correntes dos compromissos assumidos que nunca seriam cumpridos, por falta de tempo, de engenharia de vontade própria.

Os grossos fardos foram deixados à margem para que outros se utilizassem deles, já que eu nunca os usara.

A morada linear e amarela ficou no pensamento para dar lugar à longínqua vivenda ensolarada ladeada de escadas, para onde se volta todas as tardes e se chega quando a noite já se derrama.

A mesa dividiu-se em pequenos quadrados e me abriga um deles, com olhar azulado em minha frente, negros cabelos à minha esquerda e a direita uma vazia cadeira, cercada por aparelhos que vomitam números e cifrões todo o tempo.

Meses de silêncio e desconfiança, me sinto ancha, farta de palavras que guardo em meus pensamentos reticentes e esquivos. Vertendo o veneno da revolta, me depurando a cada manhã de sono, cujos raios de sol me aqueciam os membros e faziam fechar os meus olhos.

O vertiginoso movimento me forçou a andar mais rápido e eu andei. Um cartão de conta corrente, titulo de capitalização, aspirador de pós aos sábados, roupas brancas lavadas separados dos fragmentos do arco íris.

O tempo controlado, sem pressa, evidenciado o fato de que nada é como antes, tudo está desigual e diferente, nem por isso pior.

Respirar um ar enxuto, verdugo e quente. Buscar a água na fonte, armazenar nos coxos para levar as águas servidas.

Praticar as regras sem emoção.

Não votar por decisão. Desistir por desencanto com o Estado que é o avesso, um molambo do filó transformado.

Redimir as dividas, com bônus parcelados. Alívio, sono profundo de reparo de nutrir as células e combater as rugas.

Ordem na vida. Ordem nas horas. Ordem bem recebida porque sabiamente é dada.

Ordem e progresso, estão estampados em minha bandeira no formato de triângulo, dobrada, que jaz bem guardada na gaveta embaixo das roupas íntimas.

Ordem parecerá escárnio, mas, surpreendentemente é um obrigado.

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