D E S T I N O ...........

DESTINO OU COINCIDÊNCIA.

Nasci meu pai tinha quarenta e um anos. Meu filho primogênito nasceu estava eu com vinte e sete anos. Uma janela aberta entre duas gerações de quatorze anos. Essa aproximação temporal traz arejamento para o entendimento. Isso faz uma diferença, muito mais em épocas passadas. Meu pai austero, reservado, um homem que praticamente não se via sem um livro na mão. Tinha uma vasta biblioteca e imensa cultura.

Largado nas aventuras do mundo nos famosos anos dourados e conseguindo cedo (aos dezoito anos) trabalhar como barnabé (funcionário público de baixíssimo escalão) por força e obra do pai de um amigo e contra a vontade de meu pai, fiz uma certa independência financeira, a tal ponto que paguei meu curso clássico, sem que disso necessitasse.

E vivia a corrida louca da juventude em anos áureos, de Elvis aos Beatles, de Elis Regina a Caetano Veloso, da Copacabana amada e rica, para onde zarpávamos nas sextas-feiras, integrados aos famosos inferninhos. As farras.....motos e carros.

Meu pai me olhava à distância, com seu olhar de censura silencioso. Lia seus livros de direito e pensava: que complicação, nunca vou entender isso. Estava enganado.

Sem nenhuma pretensão definida, levado pelas circunstâncias e pela leitura filosófica e social que sempre gostei, desde novo, quando vi estava fazendo vestibular para a Universidade Federal, Direito. Passei. Ele estava jubiloso e, silencioso. Não era de falar.No segundo ano já fazia júri como “solicitador”, antigo nome de estagiário. Sai nos jornais como vitorioso no júri e a ele mostrei, disse então meu pai: corta e guarda. Era como ele fazia no imenso arquivo jornalístico que tinha o apontando como o “Principe dos Advogados Fluminenses”. Nenhuma palavra de elogio ao meu triunfo. Nada.Era a didática de sua escola.

Frequentava pouco a faculdade, ia quase somente fazer as provas, onde imodestamente, acresço, dava cola para todos. As colegas moças assinavam minha presença e ganhavam minha “amizade” e um perfuminho francês no fim do ano.

Me formei e dois anos após já ingressava na magistratura, meu pai não pode ver.Era eu o mais jovem magistrado do Estado, na minha idade fato inédito e jornalístico. Uma novidade naquele tempo, hoje uma rotina. Minha primeira comarca, a uma hora do Rio, era o mesmo lugar pelo qual passava com minha família para férias na serra, em Nova Friburgo, parada obrigatória do trem, Cachoeiras de Macacu.

Lá parava o trem e enquanto comprava-se rocambole famoso do lugar, uma pessoa batia com um ferro nas rodas do trem.Achava aquilo estranho, mas nunca perguntei ao meu pai a razão, só ouvia o barulho do ferro contra o ferro, sonante em timbre altíssimo. Ele percebia minha curiosidade sem questionamentos. Tinha uns nove a dez anos. Se batia nas rodas para ver se o calor não as tinha destemperado, o que se sabia pelo som. Fui saber já adulto, fato que meu pai não desconhecia.

Quando me formei e falei com papai como faria, pois estava difícil, ele me disse: lembra do trem que parava em Cachoeiras de Macacu e uma pessoa batia nas rodas com um ferro? Respondi que sim. Pois é, aquele senhor bateu mais de quarenta anos naquelas rodas e se aposentando conseguiu o lugar para o filho que poucos dias após perguntou ao pai: pai porque a gente bate nas rodas? O pai respondeu: bati a vida toda e não perguntei a razão, você mal começou já está perguntando. Meu pai faleceu muito antes de meu ingresso na magistratura.

Entendi que tinha que bater nas rodas da vida quando me deu esse máximo ensinamento, e mergulhei mais e mais nos livros, como ele tinha feito para vencer.

Passei ontem em frente ao Fórum novo de Cachoeiras de Macacu, monumental e majestástico. O Fórum antigo, desde 1976, quando de lá saí, tem o nome de meu pai. Só espiritualmente ele pode saber dessa homenagem por ser o grande homem público que foi, homenagem que tanto gostava, diferentemente de mim. Contribuí para essa homenagem sem saber, por ter organizado o prédio quando lá cheguei, totalmente invadido por outros órgãos, quase nada restando para as serventias judiciais, e com meu trabalho e dedicação impulsionei os serviços a ponto das entidades locais irem ao Governador para a concretização da homenagem que só fui conhecer depois.

Lá está hoje o Fórum novo com seu nome em letras garrafais, no lugar que me deu como exemplo magistral, em fato curricular, coincidentemente lugar que mais tarde foi minha primeira comarca, lugar em que seu nome ficou marcado indelevelmente, perenizado. Quando de lá saí, 1976, contei essa história ao grupo que de mim se despedia em breve encontro; me emocionei muito.Conto hoje aqui.

Destino ou coincidências......

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 31/08/2010
Reeditado em 31/08/2010
Código do texto: T2469970
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