Saudades da Fonte Nova
(Esporte)
Cheguei em Salvador em janeiro de 1957.
Dois ou três meses depois de haver arriado as malas, um amigo cearense convidou-me para assistir um Ba-Vi.
Por dois motivos, recusei o convite.
Primeiro, porque não tinha a menor noção do espetáculo que os dois maiores clubes do Estado sempre ofereciam quando se enfrentavam.
E segundo porque o convite fora feito num domingo de muito sol: o amigo e eu aproveitávamos o mar de Itapoan para tomar umas e outras, saboreando pequeninos acarajés comprados no tabuleiro da baiana instalado ao lado de nossa mesa.
Entre ir ao futebol e ficar admirando as estonteantes meninas da Bahia se bronzeando nas areias do mar de Caymmi, minha intenção, muito clara por sinal, era a de permanecer, indefinidamente, à beira-mar.
Dava o assunto por encerrado quando meu companheiro de copo - na Bahia há mais de cinco anos -me fez esta advertência:
- "Olha, pai-d´égua, você vai perder uma excelente partida de futebol; e deixar de conhecer a Fonte Nova, um estádio muito maior do que o Presidente Vargas, onde você, lá no Ceará, até bem pouco torcia pelo seu Ferroviário."
Tão convincente foi o convite, que terminei renunciando o mar e as mulatas de Itapoan, para acompanhar o Helano até o "templo do futebol baiano", em dia de animada festa.
Entrei no estádio, e, imediatamente conclui que era imperdível o confronto entre os dois maiores times da Bahia, trazendo para o palco craques do melhor quilate.
Tão entusiasmado fiquei, que, num determinado momento, disse para o amigo o seguinte: o Nelson Rodrigues errou quando afirmou que a multidão fora inventada pelo Fla-Flu. Ele precisava ver o Ba-Vi!
A partir daí, foi fácil justificar por que, nas tardes e noites de Ba-Vi, as ruas de Salvador ficavam praticamente desertas. Amigos, todo mundo corria para a Fonte Nova.
Nem o toró (chuva) mais torrencial, com relâmpagos, raios e trovões, tirava o torcedor do maior estádio de futebol do norte e nordeste, segundo a avaliação dos locutores daquela época.
O Vitória, sob o comando de um pequeno jogador chamado Teotônio, aplicou uma goleada no Bahia.
Entusiasmado, passei a torcer pelo rubro-negro baiano. Há quase cinquenta anos carrego no peito o emblema do Vitória.
Mas minha crônica é sobre a Fonte Nova que, por causa da Copa do Mundo, acaba de ser implodida, arrancando lágrimas de centenas de torcedores.
De casa, vi quando as bananas de dinamite puseram por terra - mais parecia um terremoto - o querido estádio Governador Otávio Mangabeira.
Cada pedaço que eu via despencar, eu sentia que iam sendo soterradas as felizes tardes de domingo que, de sua arquibancada, eu assisti, dezenas de vezes, o meu Vitória ganhar e perder.
Durante algum tempo, frequentei sua tribuna de honra, posto que, por um pequeno período ocupei o cargo de vice-presidente da Federação Baiana de Futebol, na gestão do Doutor Raimundo Viana.
Período difícil porque, como vice, na ausência do presidente, tive que "presidir" alguns Ba-Vis, sem poder torcer livremente pelo Vitória. O cargo me impunha uma inarredável neutralidade.
Mas vendo a Fonte Nova ruir sobre si mesma, lembrei-me ainda que, nas suas arquibancadas, com um pouco mais de um ano em Salvador, fui encontrar a minha primeira namorada baiana.
Diria que ela, torcedora apaixonada do tricolor de aço, ainda assim, deu a muitos dos meus Ba-Vis um colorido romântico, independente do azul-vermelho-e-branco e do vermelho-e-preto, as cores dos nossos clubes.
Amor de torcedores, durou muito pouco. Mas, juntos, gritamos muitos "goools!"
Pois é. Ontem, enquanto a Fonte Nova, em questão de segundos, virava pó, quase chorei.
Ela fora, durante muitas décadas, o meu brinquedo preferido.
E também o divertimento sadio dos meus dois filhos, cada um com a bandeira do seu time que, sem minha interferência, escolheram pra torcer.
Para mim, o importante era vê-los na Fonte Nova.
Sou contra esta história de Arena.
Houaisse define arena como anfiteatro, circo, liça, pi-ca-dei-ro. Arena lembra gladiadores, toureiros, palhaços, como se pode ler no Larousse Ilustrado.
Prefiro estádio de futebol.
Que das cinzas da Fonte Nova surja um moderno e belo estádio; e que o novo estádio mereça das autoridades a atenção devida, a fim de que, por falta de conservação, não tenha que um dia também ser implodido.
Que a memória - história e fotos - da velha Fonte Nova seja guardada, com dignidade, pela Federação Baiana de Futebol,
Na saudade dos baianos, ela permanecerá até o final dos tempos...
(Esporte)
Cheguei em Salvador em janeiro de 1957.
Dois ou três meses depois de haver arriado as malas, um amigo cearense convidou-me para assistir um Ba-Vi.
Por dois motivos, recusei o convite.
Primeiro, porque não tinha a menor noção do espetáculo que os dois maiores clubes do Estado sempre ofereciam quando se enfrentavam.
E segundo porque o convite fora feito num domingo de muito sol: o amigo e eu aproveitávamos o mar de Itapoan para tomar umas e outras, saboreando pequeninos acarajés comprados no tabuleiro da baiana instalado ao lado de nossa mesa.
Entre ir ao futebol e ficar admirando as estonteantes meninas da Bahia se bronzeando nas areias do mar de Caymmi, minha intenção, muito clara por sinal, era a de permanecer, indefinidamente, à beira-mar.
Dava o assunto por encerrado quando meu companheiro de copo - na Bahia há mais de cinco anos -me fez esta advertência:
- "Olha, pai-d´égua, você vai perder uma excelente partida de futebol; e deixar de conhecer a Fonte Nova, um estádio muito maior do que o Presidente Vargas, onde você, lá no Ceará, até bem pouco torcia pelo seu Ferroviário."
Tão convincente foi o convite, que terminei renunciando o mar e as mulatas de Itapoan, para acompanhar o Helano até o "templo do futebol baiano", em dia de animada festa.
Entrei no estádio, e, imediatamente conclui que era imperdível o confronto entre os dois maiores times da Bahia, trazendo para o palco craques do melhor quilate.
Tão entusiasmado fiquei, que, num determinado momento, disse para o amigo o seguinte: o Nelson Rodrigues errou quando afirmou que a multidão fora inventada pelo Fla-Flu. Ele precisava ver o Ba-Vi!
A partir daí, foi fácil justificar por que, nas tardes e noites de Ba-Vi, as ruas de Salvador ficavam praticamente desertas. Amigos, todo mundo corria para a Fonte Nova.
Nem o toró (chuva) mais torrencial, com relâmpagos, raios e trovões, tirava o torcedor do maior estádio de futebol do norte e nordeste, segundo a avaliação dos locutores daquela época.
O Vitória, sob o comando de um pequeno jogador chamado Teotônio, aplicou uma goleada no Bahia.
Entusiasmado, passei a torcer pelo rubro-negro baiano. Há quase cinquenta anos carrego no peito o emblema do Vitória.
Mas minha crônica é sobre a Fonte Nova que, por causa da Copa do Mundo, acaba de ser implodida, arrancando lágrimas de centenas de torcedores.
De casa, vi quando as bananas de dinamite puseram por terra - mais parecia um terremoto - o querido estádio Governador Otávio Mangabeira.
Cada pedaço que eu via despencar, eu sentia que iam sendo soterradas as felizes tardes de domingo que, de sua arquibancada, eu assisti, dezenas de vezes, o meu Vitória ganhar e perder.
Durante algum tempo, frequentei sua tribuna de honra, posto que, por um pequeno período ocupei o cargo de vice-presidente da Federação Baiana de Futebol, na gestão do Doutor Raimundo Viana.
Período difícil porque, como vice, na ausência do presidente, tive que "presidir" alguns Ba-Vis, sem poder torcer livremente pelo Vitória. O cargo me impunha uma inarredável neutralidade.
Mas vendo a Fonte Nova ruir sobre si mesma, lembrei-me ainda que, nas suas arquibancadas, com um pouco mais de um ano em Salvador, fui encontrar a minha primeira namorada baiana.
Diria que ela, torcedora apaixonada do tricolor de aço, ainda assim, deu a muitos dos meus Ba-Vis um colorido romântico, independente do azul-vermelho-e-branco e do vermelho-e-preto, as cores dos nossos clubes.
Amor de torcedores, durou muito pouco. Mas, juntos, gritamos muitos "goools!"
Pois é. Ontem, enquanto a Fonte Nova, em questão de segundos, virava pó, quase chorei.
Ela fora, durante muitas décadas, o meu brinquedo preferido.
E também o divertimento sadio dos meus dois filhos, cada um com a bandeira do seu time que, sem minha interferência, escolheram pra torcer.
Para mim, o importante era vê-los na Fonte Nova.
Sou contra esta história de Arena.
Houaisse define arena como anfiteatro, circo, liça, pi-ca-dei-ro. Arena lembra gladiadores, toureiros, palhaços, como se pode ler no Larousse Ilustrado.
Prefiro estádio de futebol.
Que das cinzas da Fonte Nova surja um moderno e belo estádio; e que o novo estádio mereça das autoridades a atenção devida, a fim de que, por falta de conservação, não tenha que um dia também ser implodido.
Que a memória - história e fotos - da velha Fonte Nova seja guardada, com dignidade, pela Federação Baiana de Futebol,
Na saudade dos baianos, ela permanecerá até o final dos tempos...