A Visita do Padre e Outras Ladainhas

Não me deu respostas sustentáveis. Esta cidade me aborrece, as pessoas dessa cidade me aborrecem, quase tudo aqui me aborrece. Chega.

Muitas coisas tenderam a não dar certo nesses últimos dias. Coisas absurdas, tipo a absurdez mundana das coisas insignificantes. E coisas e tal.

Não esperava a visita do bom servo de Deus, o senhor padre, divino ser terreno. O padre é um sujeito bom, caridoso e humano, que de tão humano aparenta certa divindade. Mas, deixemos isso pra lá, o que quero mesmo dizer é que estou de saco cheio de tanto medo da vida, e da morte também.

Foi um prazer conhecê-los. Que bom que vieram. Voltem mais vezes. Sejam felizes.

Ladainhas de respeitosos cidadãos. Que chato que sejam assim. Tão delicadinhos. Preciso urgentemente ingerir algumas doses de álcool. Mesmo que seja para afogar as lombrigas.

O telefone toca. O colega de labor partira juntamente com a noiva, jungidos pelo enlace matrimonial. Que linda união.

Pelo amor de Deus, padre, dê-me uma birita antes que eu seque o fígado. Seja piedoso, ó santo servo de Deus. Em minha cabeça ouço burburinhos de coisas estragadas, fora do normal. O tilintar dos desequilibrados. “Em minha cabeça toca uma guitarra”.

Novamente o telefone toca. Procuro ouvir com paciência seu toque e tudo o que acontece nesse momento. É lírico os sons das coisas, as coisas e máquinas dos homens. Para se Ter uma idéia, soltem por acaso os ouvidos ao léu na barulheira metropolitana das grandes cidades. Verão que não falo besteiras. Aquilo é uma alucinação auditiva. Se olharmos para cima e começarmos a girar o corpo incessantemente, concentrados somente no som da cidade, corremos o risco de ficarmos loucos. O mundo, como disse um caro amigo meu, é cheio de loucos, mas não podemos deixar que essa loucura nos peque. O cara é um desses cheio de precaução contra as más influências mundanas. Evita até a calçada do bar, com receio de ser contaminado por aquelas pessoas e aquele ambiente sórdido. É um grande puritano bem sucedido na vida. Por sua determinação, ele merece. Aliás, acho que cada pessoa tem o que merece na vida. Eu, dando um exemplo chulo, mereço tudo o que sou, e um pouco mais que ainda está por vir. Sei disso. E quando digo mereço, quero dizer que tanto o bem como o mal. Minhas coisas ruins também são minhas, assim como as boas também. O importante é que acato tudo com muita naturalidade, sem fugir da raia. Não quero falar de “outros”, ou dos outros. Quero me descobrir antes de falar dos outros. Depois que eu souber quem eu realmente sou, se é que isso um dia será possível, aí sim poderei expor sobre as outras pessoas. Por enquanto, contento-me sobre a curiosidade de meu ser em pessoa. Quem sou eu é meu grande dilema existencial. Claro que essa dúvida é que me faz viver, que me motiva a aceitar um dia após o outro, que me faz erguer o corpo alquebrado da cama todas as manhãs de meus dias e noites no intento de prosseguir mais um pouco nesta longa caminhada até o desconhecido. Caso assim não fosse, caso eu um dia (quem dera?) consiga descobrir meu verdadeiro Eu, caso esse dia chegue, creio que a partir desse dia não me será mais interessante continuar vivendo. Sou um “pescador de ilusões”, vivo a romancear a vida, suas alegrias e tristezas, e quando algo me bate à “aorta”, me informando que a vida imperiosamente clama, minha alma inflama, meu corpo estremece, fecham-se as cortinas para a arte, ergo-me da cama e cambaleio durante mais um dia em chamas...

Cristiano Covas, 29.07.05.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 31/08/2010
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