Caixa das desonestidades: uma parábola sobre eleições

No meio do caminho tinha um supermercado. Tinha um supermercado novo no meio do meu caminho de volta para casa. Poucos itens, só o emergencial. Caixa de vinte unidades, vou experimentar!

A fila não anda. Propaganda enganosa! A ilusão do Atendimento Express!

Duas mulheres conversavam sobre política, sobre a dificuldade de votar em algum candidato em meio a tanta desonestidade:

-Todos são corruptos, uns mais, outros menos!

- Tô pensando em votar na mulher do Lula, a Dilma!

Minutos depois, surge um homem alvoroçado, carregando um pote de lenços umedecidos, será que eu poderia passar na frente? Passou. Mas também, um item só, pior que está não fica, talvez haja um bebê se derretendo em lágrimas à espera dos tais lencinhos, pensei. Não questionei a moça lá na frente que permitiu a passagem.

Eu não, mas uma senhora, na faixa de cinquenta anos, duas pessoas atrás de mim, esbravejou, com voz de anos de cigarro:

- Se vocês não estão com pressa, eu estou!

O homem é atendido. Saca uma nota, depois outra, troca para mim esta de cinquenta reais, quanto deu mesmo a minha compra? Quer um real para facilitar? Me devolve os cinco reais que te dei… Até que a caixa explodiu:

- Eu não sou besta, não!

Ele intencionava confundir a atendente com o troco e levar 25 reais de lambuja. Não conseguiu. Saiu de lá com o rabo entre as pernas. Vai precisar dos lenços.

Balbúrdia entre os clientes. Não deviam ter deixado ele passar na frente! Sem vergonha, por pouco a pobre não cai no golpe! Safado desonesto!

Confesso que me arrependi de ter consentido a entrada do malandro.

A mulher de voz rouca, depois de protestar a longa espera, saiu da fila e, sem pedir licença alguma, infiltrou-se na fila ao lado, a preferencial, na frente de um sexagenário, que de tão estupidificado, não esboçou palavra. Foi a próxima a ser atendida.

Enquanto isso, na fila da qual eu fazia parte, uma mulher, com sua filhinha de menos de dois anos, explicava à atendente que havia esquecido o cartão de banco em casa, mas que poderia deixar sua carteira de identidade como garantia de que pagaria pela compra depois. Não permitiram. Acredito, por conta da menininha, que em casa ela deva ter lenços umedecidos, pois um rabo entre as pernas deve assar qualquer cidadão.

Próxima cliente. Outra senhora, que enquanto sua compra rolava na esteira, indignou-se mais uma vez com o rapaz golpista:

- Eu não deixo ninguém passar na minha frente!Viu no que deu?

A cliente que se encontrava na minha frente, segredou-me:

- Não deixa ninguém passar na frente dela, mas gosta de passar na frente dos outros! Com a desculpa de brincar com a menininha (filha da mulher que “esqueceu” o cartão), furou a vez na cara dura!

Em tempos de eleição, algumas metáforas ficaram pululando em mim, depois de, finalmente, sair do comércio: continuar a comprar no mesmo ou mudar supermercado? Caixa rápido ou o caixa comum: qual é o mais vantajoso? Votar naquele que me comove e me arrepender mais tarde? Acreditar naquele que usa criancinhas para pagar de inocente? Votar para atender às minhas necessidades ou pensar no coletivo? Reclamar que o outro é desonesto e fazer o mesmo?

Será que eu terei a mesma esperteza da atendente nessa eleição ou terei de usar lenços umedecidos, daqui a quatro anos?

Eis a caixa...de pandora!

(Maria Shu – 29 de agosto de 2010)

Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 29/08/2010
Reeditado em 29/08/2010
Código do texto: T2466679
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