COLUNA FALA SÉRIO! RIACHO DE SAUDADES!

Riacho de Saudades!

Devemos reconhecer que dentro de cada um nós, ainda existe uma criança, e todos levamos para sempre um bom arquivo de recordações de nossos tempos de infância, e de repente, voltamos a ser moleques.

E é assim, que me vejo à beira daquele córrego que na minha infância por volta dos oito e dez anos, fazia o lugar de sempre, principalmente aos domingos à tarde.

A festa junto com a turma de mais meia dúzia de amigos da vizinhança, já começava pela manhã, o almoço sendo lingüiça no espeto, assada em foguinho que fazíamos em um buraco no chão, a churrasqueira daquela gurizada tranqüila.

Isso sem falar nas férias de final de ano, quando, sempre era tarde de domingo!

Sentei-me na mesma pedra à beira do antigo risco de águas tranqüilas e serenas, que não alcançavam nas canelas infantis daqueles aventureiros, que de cima das árvores se jogavam de cipós improvisados, como se todos pudessem ser Tarzan...

Tempos bons!

O lugar fora descoberto por um de nós, durante nossas caçadas às rolinhas com as velhas e companheiras fundas, trocadas depois por caniços finos de taquara, na busca dos lambaris, facilmente caídos na isca de minhocas do barranco do riacho.

Sem contar também , que a grama macia dali, logo se transformara em um campinho de peladas com nossa bola de borracha, e que o cheirinho gostoso das bergamotas e goiabas atiçavam bem mais nosso apetite infantil. Aliás, por um chute mais desajeitado de algum de nós, descobrimos num capinzal, uma boa safra de melancias, daquelas docinhas.

Nunca soubemos a quem pertencia aquele lugar, mas que era nosso paraíso, isso era!

Ou foi, até os adultos o descobrirem, e dele fazerem sua área para piqueniques familiares.

Já na podíamos mais jogar bola, correr pelos gramados, saltar pelados nas águas tranqüilas do riacho e muito menos nos sobravam bergamotas ou goiabas.

Contaram-me que pouco tempo depois, alguém roçou e limpou a área com queimadas, o lugar virou uma plantação de fumo, depois de milho, fumo, milho, até que foi abandonado.

Agora, meio século depois, cá estou, sentado sobre a mesma pedra, trampolim para pular nas águas do riacho, só que hoje já não me parece tão grande como naquele época...

Teria a pedra diminuído com o tempo ou eu é que crescera?

Mas outras coisas também mudaram...

Onde estariam as bergamoteiras que na época da florada enchiam de perfume gostoso nosso campinho?

E as goiabeiras, para onde teriam ido?

Não vi também nossos eucaliptos, que emprestavam seus galhos para amarrarmos nossos cipós, nem os pinheiros, que vez em quando nos derramavam pinhões no campinho, os ingazeiros... Nem sequer as aroeiras, para quem dávamos “bom dia, boa tarde”, existem mais...

Eu trouxe pão velho, mas não tem mais lambaris para atiçar.

O riacho virou um buraco vazio, morto, com algumas poças de água escura, que devem ter sobrado da última chuva.

Pôxa...como eu gostaria de poder rolar de novo na nossa grama macia!

Que falta faz o ar fresquinho de debaixo do arvoredo, o cheiro das frutas...o barulhinho da água nas pedras da curva...a água fresquinha e limpinha que a gente usava para misturar o capilé de framboesa na hora de comer a lingüiça assada ou lambaris fritos.

Para onde terá ido o bando de bem-te-vis, que fazia a maior algazarra com a nossa chegada?

E o casal de quero-queros e seus dois filhotes, com quem tivemos que negociar o espaço para poder jogar bola?

E a dupla de João-de-barro, de quem dávamos gostosas gargalhadas, ao descobrir de que haviam resolvido construir duas casinhas sobre uma primeira, edificando um dos primeiros prédios da cidade?

Recordo agora, de que durante muito tempo tentamos batizar o lugar.

Nunca se chegou a um acordo.

Mas, me vejo agora, magrelo, de canelas finas, correndo pelo campinho e caindo na água.

O resto da turma, lá, como sempre discutindo quem vai fritar os lambaris, ou preparar o capilé. Ou então, quem tem o melhor golpe de vista para partir das melancias em fatias absolutamente iguais.

São boas as recordações, mas o calor do sol, o ar seco, a terra arenosa em que se transformou nosso campinho, me mandam embora daqui.

E como velho e bobo sentimentalista em que me transformei, sinto que vou chorar.

Não importa.

Quem sabe uma lágrima ainda descubra debaixo dessa terra seca, uma raizinha pelo menos uma grama, ou uma semente perdida de goiaba, bergamota, de macega, sei lá, evapore e se transforme em nuvem que volte a lavar o leito de nosso riacho, de saudades!

Isso mesmo!

Riacho de Saudades!

Preciso ir, encontrar o resto da cambada e dizer que finalmente, achei o nome certo para o lugar!

Um abraço.

AJRettenmaier
Enviado por AJRettenmaier em 29/08/2010
Código do texto: T2466158
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