CRÔNICA - A lei penal em “Terra de Santa Cruz”

            A conversa girava num salão de barbeiros na região de Barbatana, na pequena cidade de Bananeia. Um curioso cidadão, já de certa idade, dominava a discussão sobre esse assunto de “Progressão do regime de cumprimento de pena”, em face de tratar-se de matéria que vinha sendo muito divulgada mundo afora. O tema despertou maior atenção do povo depois que os crimes tidos como “hediondos” passaram a dominar o noticiário da imprensa de um modo geral.

            Contava que numa de suas viagens ao exterior, quando era embarcadiço, o navio atracou no porto principal de “Terra de Santa Cruz”, para abastecer. Um país subdesenvolvido, que não era tão diferente do nosso... Soubera da criação desse instituto no direito das execuções penais concedido aos seus detentos de bom comportamento, isso após cumprirem uma pequena fração da pena total. Consistia em o presidiário passar para o regime mais benéfico (do fechado para o semi-aberto ou do semi-aberto para o aberto). A verdade é que num abrir e fechar de olhos o criminoso estaria solto, gozando da vida e até dos resultados auferidos com a sua prática criminosa.

 

            Mostrou-se nervoso e se disse contrário a essa regalia que a lei colocava à disposição de gente perigosa, dizendo que em princípio ele entendia essa progressão como sendo espécie de aumento da pena. Chegou a criticar o nome do benefício, pois na sua visão deveria ser chamado de “regressão” ou “redução” ou “comutação” de pena. Só depois é que pôde entender que se tratava de progresso no sentido de tentar transformar a vida do indivíduo dando-lhe uma maior significação e quem sabe reincorporá-lo ao convívio social.

 

            Todavia, o que mais criticou foi a fórmula como chegaram a essa ideia absurda naquela nação que já fora tranquila em época não tão remota. Fala-se que depois da assunção de vários governos tipo popular, onde a demagogia imperava (a arte de enrolar, mentir e tudo mais para se conseguir qualquer intento), e é bom não se confundir com democracia, a situação piorou demasiadamente. O que as autoridades queriam era simplesmente que o Estado fizesse economia nos gastos públicos, pois manter recolhidas presas tantas pessoas estava onerando e muito o erário. Necessário se tornava obter superávit primário e qualquer economia seria muito bem vinda. Foram afastados das grades milhares de delinquentes de risco. Até houve muita gente a favor da privatização dos presídios... já pensou nisso?!

            Contou, também, que uma plêiade de funcionários públicos graduados, até ministros e parlamentares (lá o regime era unicameral, houve a extinção do senado por escândalos, ficando somente a câmara dos deputados) poderia estar sendo julgada por crimes de extrema roubalheira em todos os sentidos, até de morte, daí a prevenção de instituir essa lei benevolente. Foi uma apanha e uma entrega. Logo o poder competente, que era nomeado pelo mais alto mandatário do país, espécie de soberano, encontrou uma maneira de revogar, praticamente, normas anteriores, que eram severas e não permitiam redução de pena (não concorda que seja do regime, pois essa palavra foi posta aí para ludibriar os incautos).

            Falou que um ex-magistrado aposentado da “Terra de Santa Cruz” estava com seu único filho recolhido à cadeia, onde cumpriria pena de trinta anos, em virtude da prática de um crime sem precedentes, hediondo do primeiro ao quinto. Ora, já era um absurdo prender o filho de tão elevada autoridade! Pois bem, inteligente como sói ele, manteve conversações com o presidente da casa legislativa, solicitando que achasse um jeito de enviar um projeto de lei com urgência urgentíssima, a fim de cuidar dessa matéria, porquanto não queria que seu rebento virasse o ano na penitenciária.

            -- Deixe comigo, você é dos nossos! Chamou as lideranças das bancadas da situação e da oposição, e entregou a ideia numa boa. – Mas quanto é que vamos “morder” nisso (?), perguntara o mais discreto. – Agente conversa com o chefe geral e ele arranjará uma maneira de premiá-los com cargos públicos que estão sendo criados nos mais diversos ministérios, ou então com uma conta bem recheada de dólares no exterior; vocês sabem que o “homem” nunca falhou! – Agora a conversa é outra, vamos pra frente... E saíram fazendo cada um os seus cálculos.

            No final, tudo de absolutamente certo. Até conseguiram colocar um dispositivo que beneficiava o criminoso na hipótese de ser ele primário, mesmo em crime horrendo, sinistro e pavoroso, pois em tendo endereço certo, bons antecedentes e “et cetera”, não criaria perigo algum à sociedade e nem tampouco poderia atrapalhar as investigações do crime.

            Pois bem, o rapaz foi praticamente solto, a felicidade geral. Houve, logo depois, um crime absurdo naquele país distante. Uns senhores de boa aparência teriam matado uma moça indefesa e colocado a menina numa embarcação, dentro de um saco com um peso de 50 quilos, e em alto mar jogou-a no sentido de que o corpo jamais fosse encontrado. A polícia fizera um trabalho excelente nas investigações, chegando à conclusão de que os rapazes eram realmente os criminosos. Por falha na amarração, o peso se soltou e a moça veio a boiar, facilitando toda a ação de policiais de alta competência.

            A verdade é que nem mesmo o trabalho do promotor público conseguiu obter a sensibilidade do poder judiciário para com a sociedade e familiares da vítima, permitindo que esses senhores respondam ao processo em liberdade. Enquanto isso os parentes das vítimas sofrem sem nada poder falar, eis que decisão da justiça não se discute... cumpre-se!

            Assim era a vida naquela terra de santa... que continua perdendo cerca de dez mulheres todos os dias, em face de homicídios. Mas tudo decorrente da impunidade que reina naquele país...

 

Qualquer semelhança com fatos, pessoas, nomes de cidades e estado é mera coincidência, pois aqui se trata de matéria fictícia.


Em revisão.

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ansilgus
Enviado por ansilgus em 28/08/2010
Reeditado em 10/08/2011
Código do texto: T2464823
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