TURVAR A ÁGUA
Dizia Nietzsche que certos filósofos, no intuito de passarem por sábios “ turvam a água para parecer profunda”.
O mesmo se pode dizer do que se escreve, em regra, em publicações didácticas e culturais. Revestem o texto de couraça rígida, opaca, verdadeira torre de marfim.
O mesmo hermetismo verifica-se também nas aulas de alguns professores e homilias de sacerdotes, desejosos de “esmagarem” os alunos e fiéis com o peso do seu saber.
Turvam a água os que espraiam conhecimentos em dicção rebuscada, rodriguinhos literários e termos técnicos ou em desuso.
Se o hermetismo pode ser desculpável, quando se aborda temas profanos, quando se trata de matéria religiosa é, para mim, abominável.
Citar textos em latim, falar em cifras, empregar frases inglesas, pode elevar o supedâneo do sacerdote, mas deixam os ouvintes em jejum.
O pregador no púlpito ou o escritor católico na imprensa, quando versam temas doutrinários não devem rebuçar a mensagem com pensamentos filosóficos de difícil interpretação, mas apresentar a ideia despida de artifício, de modo claro, acessível a todos.
Diz Frei Luíz de Sousa que Frei Bartolomeu dos Mártires, ao ser nomeado Arcebispo de Braga, deixou na corte os floreados próprios de orelhas cultas e espíritos elevados e passou a exprimir ideias com palavras chãs, para que todos o entendessem.
Estando em Roma a conversar com franciscano, este confidenciou-me que a Igreja perde fiéis, no Brasil, a favor de seitas, porque os padres falam, em regra, com imagens e exemplos incompreensíveis para os crentes humildes, enquanto os pastores, em norma incultos, usam palavras e exemplos da vida quotidiana das classes mais pobres.
A regra, a meu ver, será falar de harmonia com o nível cultural da assembleia; melhor é ser simples e compreensível que “turvar a água para parecer profunda”, como dizia Nietzsche.