O barulho da Mina.

O Barulho da Mina.

O barulho da Mina sempre esteve presente nos ouvidos da gente de Itabira, principalmente nos meus.

A Mina está dentro da cidade, a cidade está dentro da Mina.

O barulho da Mina está dentro de cada um de nós,

Está dentro de mim.

Quando menino era prazeroso o passeio na Mina. Havia prazer ao estar ali, em meio a todo aquele barulho.

Nas proximidades do Natal subíamos o Cauê para catar musgos, canelas de ema, areia, e esmeril, para construir a lapinha dos presépios.

Aquele silencio da montanha, realçava o barulho que vinha lá da Mina.

Éramos como anjos nas alturas, acima das nuvens, das serras, dos vales. Acima da Mina.

Lá de cima, ouvindo o barulho da Mina, se esquecia a vida dura do vale.

Vida difícil, competitiva, agitada.

Busca na boca da mina uma ajuda pra sobrevivência.

E grita, grita muito, grita alto...

“Aê o pastel, aê o doce... de Dona Corina”.

O barulho da Mina abafa o nosso grito.

Mas o dinheiro comparece, só volta para casa balaio vazio e menino feliz.

Com dinheiro no bolso e cabeça quente de tanto barulho.

Quando vai voltar? Talvez hoje, talvez amanhã...

Talvez a nossa mãe perde de novo o horário do caminhão de bóia. E lá vamos nós, de volta pra mina, levar a marmita do nosso Pai.

Como não se fica surdo em meio a tanto barulho?

Às vezes se ouvia um grito solitário de um homem lá no alto da serra, anunciando aos berros o momento da detonação.

Fogo...Fogo...Pessoal.

A voz era conhecida e bem familiar. Era ele, o nosso Pai, responsável direto pela carga de fogo e segurança da detonação.

De repente, uma nuvem de poeira, pedras rolando para todos os lados.

Muito barulho? Pois eu gosto!

Durante vinte e seis anos de minha vida convivi com o barulho da sirene anunciando o início dos turnos, do início e fim da hora do almoço, e do término do expediente.

Convivi com o barulho das perfuratrizes, dos tratores, das gigantescas escavadeiras, dos motores em manutenção nas oficinas.

Das casas de peneiras, das correias que transportam o minério do alto da serra, dos caminhões, dos britadores quebrando e remoendo as pedras de minério.

Do apito do trem chegando vazio e saindo carregado para além mar.

Também se ouvia o barulho da Mina no campo, quando o nosso Valério jogava ou nas tardes de verão quando deliciávamos nas águas turvas de pó de minério, ali mesmo na piscina do Valério, ou ainda durante os bailes e matine da sedinha do Campestre ou do Explosivo.

Ouvia-se barulho também nas festas dos trabalhadores no campo do Valério

Ou no distante bosque dos Escoteiros em dias de acampamento.

Ou na Chácara do Zé Sergio, ou nos distantes caminhos da Fazenda do Pontal ou na Serra dos doze vintém.

O barulho da Mina também se apresentava no interior Matriz do Rosário e na Igrejinha do Campestre em momento de rezas e homilia e até no silencio das procissões nas ruas e becos da cidade.

E nas salas de aula do Emilio Pereira, da Escola Estadual Mestre Zeca Amâncio?

Nos momentos de dor também se ouvia o barulho. Nas longas noites que passávamos nos quartos de Hospital Carlos Chagas ou Senhora das Dores e até no silêncio do Cemitério do Cruzeiro.

Em meio a soluços, o barulho da Mina parecia transformar em choro quando os corpos de nossos queridos deciam à sepultura.

Quanto barulho gravado em minha memória.

Mas um dia, a Mina calou. Nenhum barulho, só silêncio.

A crise chegou na Mina.

Fiquei assustado!

Não se ouvia mais o barulho!

Aquele barulho que me confundia. Se bom, se ruim. Se me incomodava ou se me parecia canção de ninar.

Em uma daquelas noites eu não conseguia dormir.

Fui à janela buscar o barulho da Mina. Só silêncio!

Pensei nos mineiros demitidos.

Pensei em suas famílias afetadas por uma crise sem explicação.

Da janela só se via uma nuvem de um branco sobrenatural cobrindo a rua, a cidade, a Mina.

Meus ouvidos inconformados buscaram com esforço algum som.

Perguntei para a minha esposa: que silêncio triste é este, que incomoda a minha alma?

Percebe o barulho da Mina?

Não, ela me respondeu. Não percebo barulho algum.

Senti um frio no coração.

E no silêncio daquela noite clamei:

Senhor Deus tenha misericórdia dos homens e mulheres da Mina.

Hoje, tem barulho na Mina!

Marconi Ferreira
Enviado por Marconi Ferreira em 28/08/2010
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