A barriga
A barriga
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza
Tomou o banho costumeiro, colocou a jeans novinha em folha, a camisa que acabara de comprar junto com o tênis. Chamou o elevador (morava no 9º andar do Balança Mais Não Cai, quase em frente ao relógio da Central do Brasil, no Rio de Janeiro) e desceu. Antes de apontar no térreo, sentiu vigorosas pontadas na barriga e achou que precisava urgentemente ir ao banheiro. Segurou na emergência e o mecanismo, obediente, retornou ao seu pavimento. Já quase a abrir a porta, a dor subitamente passou como por milagre. Esperou alguns minutos. Estava evidente que não incomodaria mais. Empreendeu a volta e, para surpresa sua, ao desembarcar na portaria, a coisa ressurgiu mais intensa que antes. Não fizesse algumas acrobacias, teria arrancado as calças lá mesmo e suavizado a pressão. Subiu imediatamente até o apartamento.
Nem sinal. Andou para um lado e para o outro, enxugou o suor que escorria pela a testa e nada. Foi embora novamente. Aquele domingo não seria seu dia de sorte, com final de semana feliz junto à namorada.
Ia pelo oitavo quando a cólica forte e estranha atacou outra vez. Entretanto, desta feita, sobreveio o inesperado. O elevador parou no sexto. Entrou uma bela garota. Essa jovem vendo o rapaz se dobrando de maneira engraçada, desatou a gargalhar. Acabrunhando, o coitado pulou no quarto e empreendeu a marcha de regresso pelas escadas. Chegou mais morto que vivo, a língua de fora, segurando a pança com ambas as mãos. Queria arrancar as roupas antes mesmo de meter a chave no buraco da fechadura. Não fosse com ele, certamente não acreditaria. Suando por todos os poros do corpo e tremendo muito, ganhou o interior dos aposentos o mais rápido que pode.
Derrubando cadeiras, tropeçando aqui e aculá, correu para o sanitário. Nessa hora, para o alívio e espanto, nada! Nenhum sinal. Fez força. Espremeu-se daqui, contorceu-se dali. Qual o quê! Tudo em paz...
Levantou, deu descarga, mesmo sem ter bosta nenhuma no vazo. Olhou no espelho. Achou ridícula sua cara desbotada. Estava amarelo. Amarelo não, branco. Parecia um trapo. E aquela moça de aparência imbecil, rindo, como se ele fosse uma figura dantesca, saída de algum gibi do Homem Aranha. Que diabo estaria acontecendo? Para acalmar os nervos entrou no chuveiro frio. Depois se vestiu. Olhou demoradamente para os ponteiros do relógio da Central. A noite já encobria a cidade. Calmamente seguiu para a rua. Desta vez, o elevador veio lotado. Um senhor de idade entrou no terceiro. Foi então que o drama voltou à tona. As convulsões reapareceram. Descontrolado, começou a soltar insistentes ventosidades anais com cheiro acre de ovo podre. As pessoas ao respirarem aquele ar fétido faziam caretas horríveis. Algumas tampavam o nariz com as mãos, outras, usavam lenços. Um cavalheiro resolveu acudir, em socorro. Acompanhou o rapaz até seu apartamento, vendo o estado de anormalidade que se abatia sobre ele.
Como das vezes anteriores o fenômeno se repetiu. Inexplicavelmente a anomalia havia sumido. Desta vez, por precaução, tomou um remédio, esperançoso de que o mal voltasse a importunar. Perdeu meia hora. A essa altura, a namorada deveria estar virada no bicho, subindo pelas paredes. Não lembrou nem de telefonar se desculpando pelo atraso. O cinema programado (iam ver o Titanic) fora por água abaixo. Que dizer a ela quando chegasse em sua casa? Que uma dor de barriga... Não, nem pensar...
Com essas déias ruminado a mente, empreendeu o caminho da Avenida Presidente Vargas. Agora, com ou sem incômodo seguiria em frente. A cólica, ou lá o que fosse, não o faria de trouxa. Com essa determinação e coragem, encarou o elevador, confiante. Ao saltar no saguão principal, a famigerada e inseparável companheira atacou. E atacou tão forte, mas tão forte que fez o rapaz se curvar aos berros e aos gritos. Um funcionário correu ao seu encontro. Outros tentaram ajudá-lo, mas o pobre se desculpou dizendo que não era nada grave. Colocado no elevador as carreiras, alguém indagou para onde deveria ser despejado:
- Qual seu andar?
- Que botão aperto?
Uma residente metida num shortinho de lycra azul com desenhos do Piu-Piu, mostrando lindas pernas e parte do bumbum, apareceu nesse instante puxando uma cadelinha pela coleira:
- Por favor, quero subir. Dá licença?
- Eu... Eu... Tam... Be... Bem...
O infeliz, se contorcendo e, pior, sem conseguir segurar mais o azar, não teve escapatória. Fez o que não queria ali mesmo, nas roupas, às vistas de outros vizinhos que se juntaram em polvorosa aglomeração.
Aparecido Raimundo de Souza, 57 anos é jornalista.