Uma Seven Up e 3 copos.
Uma Seven Up* e 3 copos
Anos 60. Bons tempos.
Beatles era o sucesso. E no Brasil a jovem guarda.
Televisão era novidade. Em cidade pequena era raridade.
Poucas casas o tinham. E alguns bares. Logicamente que em preto e branco ainda.
E assim era o caso do bar do Ico.
Ficava na esquina em frente à Igreja Santo Antonio e era o ponto de encontro do pessoal.
Jovens e adultos ali se reunião para conversar, beber e ó óbvio, ver a televisão.
Que era chamada mesmo de televisão e não de TV como hoje em dia.
Final de campeonato então aquilo fervia.
As pessoas chegavam cedo para se acomodar em um lugar que desse melhor visibilidade.
O jogo, sempre à noite, lá pelas nove horas.
Para o dono do bar era festa, muitos clientes, muito consumo e lucro.
O investimento na televisão era compensador.
Em certa ocasião houve um jogo clássico, Corinthians e Santos. De Pelé.
Há 11 anos Corinthians não ganhava do Santos, mas nesse dia seria diferente.
O time estava preparado. Não tinha como perder.
E como hoje é, naquele tempo também o futebol já era paixão nacional.
E os garotos, lógico, também gostavam e ia para o Bar do Ico.
Tudo na inocência, iam só para assistir, nunca notaram que para o dono do bar, o que mais importava era a quantia gasta pelos clientes em dia de jogo.
E jogo importante melhor ainda.
E três garotos, grandes amigos, Ademir, o mais velho, Sérgio e Zezinho, o mais novo da turma;
todos moradores da Vila Bazani; combinaram então de ir ao bar naquela noite de jogo.
Aliás, quase todos do bairro combinaram a mesma coisa.
Garotos de mente sossegada e sem muito compromisso.
Sete da noite já estavam lá, se ajeitaram nos melhores lugares, visão perfeita da televisão.
E ficaram assistindo a programação, telenovelas, jornalismo e os reclames.
Nem notaram as pessoas chegando e se acomodando.
O jogo começa, aí é que nota o bar lotado. Eles estão praticamente no meio do povão.
Falatório, barulhos de garrafas sendo abertas, tilintar de copos.
E a bola rolando.
E os três amigos ali, com os olhos colados na televisão.
Primeiro tempo termina. O pessoal aproveita para se mexer um pouco.
Os garotos nunca tinham visto o bar tão movimentado como aquele dia.
De repente o Seu Ico se aproxima deles e pergunta com cara de poucos amigos:
- E aí? Vocês não vão gastar nada?
Aí foi que perceberam que a televisão não estava ali de graça.
As pessoas gastavam em troca daquilo, bebiam, comiam, enfim era uma troca e só eles não sabiam, na ingenuidade de garotos de cidade do interior dos anos 60.
Eles olharam para ele com aquela cara de quem diz:
- Ué, e temos de gastar algo? Não podemos só assistir?
E pior de tudo foi que o Seu Ico, num fez cerimônia, fez a pergunta para todos ouvirem.
Um dos garotos, então olha para o que está ao seu lado e faz sinal para saírem.
Quando estão se levantando, Ademir que era o mais velho e que estava com uns trocados retruca:
- Não, sentem aí. Vamos ficar .
- Mas você não ouvir o Seu Ico? disse Zezinho, o mais novo.
- Sim, ouvi sim. Por isso estou dizendo que vamos ficar.
E rápido como um raio, se levantou e pediu logo:
- Seu Ico, traz aí uma Seven Up e 3 copos.
Seu Ico fechou a cara e trouxe o pedido.
Ficaram até o final do jogo.
Corinthians 2 e Santos 0.
Gols marcados por Paulo Borges e Rivelino
Mas a cena toda e o sabor daquela Seven Up ficou na memória dos três garotos até hoje.
* Seven Up é um refrigerante de limão, que fez muito sucesso nos Estados Unidos, e que no brasil, chegou nos anos 50 e ficou até o fim dos anos 60, voltando bem rapidamente no final d dos anos 80.