CAPÍTULO XXII - Diário Poético-Sentimental de Uma Greve: Curiosidades, Emoções e Poesia na Greve do Judiciário Trabalhista Mineiro

XXII

Primeiro levaram os negros.

Mas não me importei com isso.

Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários.

Mas não me importei com isso.

Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis.

Mas não me importei com isso.

Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados.

Mas como tenho meu emprego, também não me importei.

Agora estão me levando.

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém,

Ninguém se importará comigo.

(Bertolt Brecht)

Madrugada do dia 27: acordei durante a noite (depois soube que não fui o único) e não consegui dormir mais. Eis aí as emoções e o estresse andando de mãos dadas com o meu desejo (inconsciente?) de retornar ao trabalho e por fim às pressões, às dificuldades e aos sentimentos difíceis que emergem conosco na greve.

Hoje acordei durante a noite e não consegui pegar no sono outra vez. Eis então desenhadas diante de mim toda a esperança e a incerteza em relação à reunião ocorrida no final da noite de ontem entre o Ministro do Planejamento e os líderes da cúpula do Judiciário. Dessa reunião poderia sair qualquer coisa, principalmente a abertura para uma negociação.

A incerteza que pesa sobre nós é não saber até aonde conseguiremos ir. São as pressões sofridas (e cada um de nós sabe muito bem o que é isso e o que isso representa enquanto carga a mais sobre os nossos ombros), é a certeza de que não somos inimigos das pessoas que nos combatem e pressionam, mas companheiros de trabalho daqueles que muitas vezes têm insistido em nos ver e nos tratar como se inimigos fossemos.

Se no início existia uma série de condições favoráveis a que não entrássemos em greve (os nossos medos, o casulo das nossas supostas seguranças, as pressões dos chefes, o receio de que a greve não venha a dar certo e de que não consigamos atingir os nossos objetivos, o desconto salarial dos dias parados, a perda de gratificações, todo um pacote de trabalho nos aguardando no findar da greve, etc.), hoje são muitas também as condições que nos impedem de retornar ao trabalho antes que a greve se decida vitoriosa ou não.

Se alguém me pedisse nesse momento para dizer algo que considero da maior importância àqueles que não estão em greve, eu diria o seguinte: amigos e colegas, nós que nos reunimos nas manifestações não somos seus inimigos e nem poderíamos ser! Nós estamos do mesmo lado, ainda que às vezes alguns de vocês não consigam perceber isso. A nossa luta é a sua luta e é a mesma luta e os nossos objetivos são idênticos aos seus. Somos colegas e amigos, jamais nos esqueçamos disso. Ontem mesmo – ou talvez alguns dias atrás - estávamos trabalhando juntos e de mãos dadas, dizíamos coisas engraçadas uns aos outros e nos escutávamos com atenção e interesse, como deve mesmo ser entre bons companheiros de trabalho. Executávamos em conjunto as nossas obrigações e tarefas comuns. Estávamos todos ali, cada um cumprindo o seu papel num local específico, tudo para o bom andamento dos trabalhos e o correto atendimento da população que nos procura. Hoje nos parece que vocês nos consideram como inimigos que buscam atrapalhar a continuidade do trabalho. Mas como é que isto pode ser: já lhes afirmamos inúmeras vezes que, findada a greve, trabalharemos a mais e com toda a boa vontade e energia que Deus nos deu para colocar em dia os serviços e trabalhos acumulados. Nada será perdido ou desperdiçado e tudo retornará ao velho ritmo, com cada coisa em seu devido lugar. Ainda assim muitos de vocês se colocam contra nós como se de fato fôssemos seus inimigos. No entanto, não é isso o que somos: somos colegas e companheiros de trabalho e eu imagino que isso seja de fato o que deveríamos ter construído entre nós. Nós somos companheiros e por isso nos devemos respeito e consideração uns aos outros. Essa deveria ser a ponte que nos liga. Essa deveria ser a nossa verdade.

Essas são algumas das muitas questões e emoções que tantas vezes permeiam e envolvem uma greve.

Luís Antônio Matias Soares
Enviado por Luís Antônio Matias Soares em 27/08/2010
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