Por que eu escolhi a crônica

O escritor é sempre considerado um ser humano superior, capaz de fazer com as palavras o que muita gente não sabe fazer com a vida, com as pernas, com o coração ou com outras coisas que não merecem a citação. E eu concordo. Vocês, pobres leitores, almas vindas do purgatório em busca de conhecimento e de um dia chegar ao nosso patamar, nunca (eu disse nunca) devem corrigir, criticar, ou interferir no trabalho de um escritor.

Nós passamos horas lendo e relendo para ver que palavra, que construção sintática, qual adjetivo se encaixa em determinada frase, como o leitor pode ser tocado por uma ou outra situação, entre outros serviços artesanais do ato de escrever.

Mas eu sou inferior. Sim, que os raios de Zeus, vindos do Olimpo, caiam sobre minha cabeça nesse momento. Vocês não merecem isso, mas em um ataque repentino de piedade, eu admito que sou inferior. Porque eu escolhi a crônica.

Isso mesmo, eu poderia me gabar por saber escrever. Tenho certeza que Shakespeare se gabava. Tenho certeza absoluta que Camões infernizava alguém depois de escrever “Os Lusíadas”:

- Ah! Olha, olha aí, pode contar! Dez sílabas poéticas os malditos oito mil e oitocentos versos! Não tem pra ninguém!

Porém, diferentemente dos gênios citados acima, eu não escolhi o poema. Tentei, mas ele não me escolheu. Não sei rimar, não sei estruturar sílabas, não sei impor ritmo a uma linha de texto (apesar de gostar muito de música, mesmo não sabendo tocar nada). É uma habilidade que eu não consegui desenvolver, mesmo depois de muito treino. Não sei, por exemplo, rimar “camiseta” com algo que não seja sacanagem. Desisti, depois de vários textos medíocres.

Não escolhi o romance também. O romance não me escolheu. Não tenho criatividade o bastante (por incrível que pareça) para desenvolver uma história, personagens e etc. Já tentei também, a gente nunca sabe de uma inabilidade até tentar. O personagem surge fresco na minha cabeça, a começo da trama se desenvolve, mas no final tudo acaba em uma folha rabiscada jogada fora. Existe, por exemplo, uma ideia de desenvolver uma saga que terá como protagonista “Jeca, o Desembuchador”, uma espécie de “Jack, o Estripador” que age no nordeste brasileiro, torcedor fanático do Sport Recife. Mas não sei não.

Pois é. Tudo isso passa na minha cabeça, me dá ânimo de escrever, mas não acontece aquele ardor incessante da ideia presa na massa encefálica, doida para sair do campo das idéias e se materializar no papel. Mas não conta nada pra igreja católica, não. Não sei se isso é considerado aborto.

Falando em gênios, aliás, olha só como eu estou roubando um traço estilístico do Machado de Assis, falando com o leitor. Outro que eu tenho certeza que se gaba até hoje, no túmulo, no céu, no inferno, no purgatório, no plano espiritual, no lado escuro da lua ou no raio que o parta que você acredita que as pessoas vão depois de morrer:

- Olha lá. Até hoje tão escrevendo teses e antíteses se a Capitu traiu mesmo o Bentinho. A galera não tem mais o que fazer mesmo.

E, aos risos, irá ficar tirando sarro com os seus amiguinhos escritores no além, inclusive da minha figura patética, que escolheu a crônica como gênero literário.

Rimas não fazem parte do meu cotidiano. Personagens e histórias emocionantes, romances arrebatadores com muito sangue, mortes e vampiros que brilham no Sol também não fazem parte do meu cotidiano (aparecem algumas assombrações de vez em quando, mas isso não conta). Já o cotidiano faz parte do meu cotidiano. Situações inusitadas, estranhas, engraçadas acontecem todo dia no trem, no ônibus, no trabalho, no meio acadêmico, na rua. E a minha imaginação faz bem o seu papel em trazer personagens e pessoas inusitadas para situações do cotidiano.

Aliás, espero que Rubem Braga, Veríssimo e Fernando Sabino me perdoem por adotar esse estilo literário e os tomar como referência. Espero que eles perdoem minha falta de originalidade. Espero que eles perdoem, porque a crônica é um gênero que exige muita genialidade e espontaneidade. Não estou me contradizendo, eu realmente me sinto inferior. Porque eu escolhi a crônica por falta de habilidade nos outros gêneros, não por ter uma habilidade nata e arrebatadora como os acima citados. Espero que eles (e vocês, que perdem seu tempo lendo esses devaneios soltos) se contentem com um pouco de irreverência amadora e leiga no meio desse caos moderno.

Diego Biagi
Enviado por Diego Biagi em 26/08/2010
Código do texto: T2460740
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