Melhor crônica

Fernando Sabino escreveu que queria sua última crônica como o sorriso da criança que, apesar de todas limitações e adversidades, ficou satisfeita com sua festa de aniversário improvisada, sem bolo de chocolate com desenhos, apenas um pão com almôndegas e uma vela.

Essa é a essência da crônica. É encontrar um momento, um sorriso, um abraço ou uma paisagem que faça o resgate da beleza do mundo, no meio da monotonia da rotina, da depressão da realidade, da ignorância do conformismo e da revolta do questionador. É aquele momento em que sua cabeça para de divagar e querer saber o porquê de tudo e simplesmente se acalma e se emociona.

A pureza e a simplicidade desse momento são o que eu quero retratar na minha melhor crônica. Minha melhor crônica deve ser como ver o nascer do Sol, do alto de uma ponte, refletir-se na imundice do rio Tietê.

Entre o murmurinho das pessoas (voltando de lugares onde buscam esquecer a humilhação e as dificuldades do dia-a-dia se drogando ou trepando) e o balanço nauseante do ônibus passando pelo concreto suspenso, eu vi o Sol nascer no horizonte e refletir-se na crosta imunda e repugnante de dejetos na superfície do rio Tietê.

Aquele fenômeno causou uma confusão tão grande na minha cabeça, o contraste entre a beleza da natureza e a feiúra da capacidade de degradação do ser humano, que eu simplesmente parei de pensar. Me vi preso em um momento absoluto de paz, um “carpe diem” total e sereno. Não pensei no quão nojento era aquele espelho que estava refletindo o Sol. Não pensei no quão preocupante era aquele panorama. Eu só...admirei. Admirei a coloração, um pouco alaranjada, um pouco avermelhada do amanhecer, admirei a beleza de um novo dia nascendo, de uma chance de recomeço para tudo e para todos e admirei o quão simples a vida pode ser em alguns momentos. Não importavam mais as eleições, as atrocidades cotidianas da grande cidade, a bomba relógio armada para o mundo como nós o conhecemos, nada. Só importava a vontade angustiante de descrever aquilo como um pintor hábil faz ao representar uma paisagem em tintas, óleo, lápis ou carvão.

No dia em que eu souber transcrever em palavras o impacto daquela cena em mim, e da beleza que às vezes a modernidade imprime em alguns panoramas, com a riqueza de detalhes de uma foto em alta resolução, eu serei um escritor completo. Assim será minha melhor crônica, capaz de fazer compreender o que aparentemente é incompreensível.

Diego Biagi
Enviado por Diego Biagi em 26/08/2010
Reeditado em 26/08/2010
Código do texto: T2460733
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