Santos Vindos do Mar

       Quando os santos desceram às terras brasileiras, foram trazidos por naves alienígenas que, rogando-lhes proteção, aqui chegaram e deram-se bem na convivência com os nativos. Imagens talhadas em lenho português, pintadas de cores pomposas, em túnicas como vestes da corte, com retraços de ouro e coroas de prata. Não menos venerados também eram os santos despidos, com flechas do martírio, com marcas da flagelação ou os apenas enrolados num manto manchado de sangue, nódoas da perseguição sofrida pelos cristãos. Santos que, de tão bem esculpidos, se tornaram também admirados como objetos de arte, não se distinguindo o belo do sacro nem o sacro do belo. Por força disto, casa que se prezava tinha o seu santuário, onde se hospedavam esses santos à espera de admiração ou devoção.
     

        Tal foi esta aceitação que os santos, de outras descendências, logo se familiarizariam com os brasileiros, e desde então, a nossa gente nunca se dirigiu a esse ou aquele santo como sendo de origem ou arte portuguesa. Embora feitos em Portugal, sempre foram tratados como arte brasileira, somente nos referindo à arte e à sua matéria prima com as palavras: “é barroco e de madeira”. De modo que, como se passasse por um processo de aculturação, a arte barroca se incorporou, de corpo e alma, à nossa cultura. Aqui também se passou a esculpir imagens em lenho brasileiro. De lá para cá, as antigas tornaram-se peças raras de igrejas e museus, somadas à produção de santos barroca, saída de genuínas mãos conterrâneas.
       

       O meio cultural paraibano desfrutará, ainda neste próximo mês, da exposição de Newton Alves e Timóteo: “A Imaginária e sua Iconografia”, semelhante aos eventos que realizam nos meios artísticos nacionais e internacionais, graças à Elizabeth Nóbrega Tsakiroglou, Presidente da Maria Nóbrega Foundation, sediada em Londres,  Firenze e outras partes do mundo. Obras que demonstram a arte barroca não morrer no tempo, nem tampouco o tempo desfalecê-la. Timóteo maneja o pincel com maestria, retrata, com singular beleza, extenso universo, tanto da natureza como do mundo sagrado. Newton Alves, paraibano de Rio Tinto, parece ter reencarnado algum espírito artista, náufrago das naves lusitanas nas encostas paraibanas da Baía da Traição; artesão de quilate para fazer e refazer imagens do difícil estilo barroco, de tal modo que se tornou conhecido pelo restauro ou pela réplica das mais raras peças dos séculos XVII e XVIII. Uma das surpresas, que eles nos prometem, será a réplica da estátua de N. S. das Neves, padroeira da cidade. E assim, o barroquismo continua vivo, na arte sacra assumida pela nossa eclética identidade cultural, integrando-se, há séculos, ao acervo da cultura brasileira.