Ao artista.

Pobres amantes enganados tristes falidos, poetas incompletos dos poemas esboçados jamais escritos, das grandes telas esboçadas nunca pintadas, das musicas solfejadas nunca escritas, pobres artistas enganados, que jamais serão lidos, vistos ou ouvidos, que até para lerem, pintarem, tocarem para si próprios não vêm motivo nem razão. Fechados em suas vidas insipidas, amarfanhando mais uma noite, deitados no sofá onde outrora possuíram o corpo nu e ardente de suas amantes fulvas, reagem, raciocinam.Num esforço supremo sentam-se frente ao computador com seus dedos coreografando no teclado sem se importarem em olhar o monitor para conferir a forma que dão aos seus escritos, rabiscam telas virgens, dedilham pianos inventados, esquecem a vida, esquecem a dor. Sentem-se leves após revisarem os textos ver seus pensamentos tomarem forma, alinharem-se pouco a pouco as palavras, leem em voz alta, batendo bem as silabas no palato para emendar o que soava mal até conseguirem ritmo que os satisfaçam mesmo não sendo real. Dão retoques leves em suas pinturas, se afastam para verem o conjunto de sua obra. Militam céleres as notas no piano a exaustão, daquilo que seus ouvidos julgam belo e perfeito. Amantes compulsivos da glória, conquistadores do nada. Quantas vezes se perguntam, quando sucedera a obra prima, que os tirará do ostracismo, seus espíritos se enfraquecem dia a dia na antevisão de mais um fracasso, mas sempre a tentativa do sucesso.

Para amarfanharem mais uma noite, no sofá onde sonham possuírem suas antigas amantes fulvas, ardentes, lindas....mordendo seus corpos desnudos perfeitos em sua imaginação, canibais da vida, saciados da carne inventada da amante relembrada, dormem e sonham... sonhos sempre inacabados.

Carlos Said

Inverno 2010